Absolvidos quatro médicos que não diagnosticaram tumor em jovem de 19 anos

Sara Pereira morreu em 2013 depois de uma dezena de idas à urgência do hospital de Penafiel. Médicos foram ilibados. Para que houvesse crime teria sido necessário existir dolo, justificam desembargadores do Tribunal da Relação.

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A jovem foi consultada ao longo de dois anos sem nunca realizar exames complementares de diagnóstico Paulo Pimenta

O Tribunal da Relação do Porto absolveu quatro médicos que não diagnosticaram um tumor cerebral de grande volume numa jovem que morreu após uma dezena de idas ao serviço de urgência do Hospital do Padre Américo (Penafiel) ao longo de dois anos.

Confirmando a sentença do tribunal de primeira instância de Julho passado, os desembargadores do Tribunal da Relação do Porto defendem que, apesar de os quatro médicos não terem pedirem exames de diagnóstico que teriam permitido perceber que a jovem tinha um tumor no cérebro, seria necessário existir dolo para que houvesse lugar a condenação neste caso.

“Muito sumariamente, a Relação considera que o comportamento dos médicos traduz uma omissão mas não houve dolo e que, sem acção dolosa, não há crime”, sintetiza a advogada da família da jovem, Filomena Pereira. A advogada lamenta que não tivesse sido levado em conta o parecer do Conselho Médico-Legal (que faz perícias e reúne no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses), o qual “considerou ter havido neste caso violação da leges artis [regras que o médico tem a obrigação de conhecer tendo em conta o estado da ciência]”.

Sara Moreira morreu aos 19 anos em Janeiro de 2013, depois de ter sido observada uma dezena de vezes, desde 2012, pelos quatro médicos acusados que sempre consideraram que a jovem teria apenas problemas de ansiedade e do foro psicológico e lhe deram alta, explica a advogada que acompanhou o recurso interposto pelo Ministério Público (MP). 

O caso não vai ficar por aqui, porém: não haverá recurso desta sentença para o Supremo Tribunal de Justiça, mas há duas acções com pedidos de indemnização em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, contra o hospital, e no cível, contra os quatro médicos, adianta.

O Ministério Público pôs em causa o facto de os clínicos nunca terem pedido a realização de exames de diagnóstico como TAC (tomografia axial computorizada) ou ressonâncias magnéticas para tentar perceber os sintomas evidenciados por Sara, que se queixava de fortes dores de cabeça, sofria de náuseas, vómitos e perdas de consciência. 

Enquanto a acusação defende que a morte poderia ter sido evitada se o tumor tivesse sido detectado atempadamente, o Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa (que integra o hospital de Penafiel) sustenta que nada levava os médicos a crer que Sara tivesse um tumor cerebral que acabaria por lhe provocar a morte.

Na sentença datada de 12 de Fevereiro, os desembargadores do Tribunal da Relação concluíram ter ficado provado que os médicos estavam convencidos de que a jovem sofria de crises de ansiedade que provocam os sintomas que descrevia e que nunca previram que ela tinha um problema neurológico grave que exigisse a realização de exames complementares de diagnóstico. “Podemos afirmar que as leges artis impunham a realização desses exames. Mas não podemos afirmar que os arguidos agiram conscientemente com vontade de agir de forma contrária a esses deveres de boa prática médica”, justificam.

Para a falha no diagnóstico contribuíram ainda factores como as informações transmitidas pela própria doente, que na escola parecia estar mal, mas quando chegava ao hospital parecia estar melhor e sorria. “Todas estas circunstâncias levaram a criação do errado diagnóstico, o que pode configurar uma situação de negligência inconsciente, mas nunca de dolo”, acrescentam.

No entender dos desembargadores, o “erro de diagnóstico não é, por si só, penalmente relevante” e “não se encontra tipificado como ilícito penal o erro médico, ou a má prática médica ou mesmo a negligência médica”.

Em causa não estava aqui o crime de homicídio por negligência mas sim o que está previsto no artigo 150 do Código Penal — que institui que os médicos que violem as leges artis na realização de intervenções ou tratamentos, criando  desta forma perigo para a vida são punidos com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias. E este ilícito só abarca comportamentos por acção (realização de intervenções ou tratamentos), não abrangendo comportamentos omissivos, sustentam.

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