Cedência de obras de arte do Estado a hotel será a primeira de várias, diz secretária de Estado

Segundo Ângela Ferreira, “à partida” não será preciso pagar para visitar as peças da Colecção Rainer Daehnhardt que o Estado pretende entregar ao grupo Vila Galé. PCP já solicitou a presença da ministra na Assembleia da República para prestar esclarecimentos.

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A ministra da Cultura Graça Fonseca com a sua secretária de Estado, Ângela Carvalho Ferreira ANTÓNIO COTRIM/LUSA

A cedência de obras de arte do Estado a um hotel do grupo Vila Galé no Alentejo, autorizada pela secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, ficará dependente do cumprimento de “condições técnicas e de segurança”, garantiu a governante à Lusa, adiantando ainda que, de futuro, haverá mais cedências deste tipo no âmbito do Programa Revive.

Em causa está a cedência àquele grupo hoteleiro, por 25 anos, de cerca de 50 peças da denominada Colecção Rainer Daehnhardt, pertencentes ao Estado, para a instalação de um núcleo museológico num edifício da Coudelaria de Alter do Chão que a empresa hoteleira está a converter em hotel. Ao que o PÚBLICO apurou, o documento assinado pela secretária de Estado vai contra um parecer técnico de que a tutela terá tido conhecimento antes de ordenar à DGPC que cedesse as peças.

A cedência de obras de arte pública a uma entidade privada foi revelada na semana passada pelo grupo parlamentar do PCP, num requerimento em que solicitava uma audição da ministra da Cultura, Graça Fonseca, sobre o assunto. Para a bancada comunista, a situação é “gravíssima pelo que é em si e pelo precedente grave” que pode “constituir de apropriação de património público para fins privados”, lê-se no requerimento. O pedido para ouvir Graça Fonseca foi aprovado na terça-feira.

À Lusa, Ângela Ferreira explicou que técnicos da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) já foram ao local das obras para determinar as condições em que as peças da colecção poderão ser expostas; terá ainda de haver uma visita final e só depois será dada a autorização definitiva. 

Segundo a secretária de Estado, o núcleo museológico no hotel da Coudelaria de Alter estará aberto ao público e “à partida” não será cobrado bilhete de entrada: “Não foi alvo de avaliação qualquer tipo de contrapartida financeira relativamente à visita da colecção.”

Questionada sobre uma possível privatização de obras de arte pública para fins hoteleiros, Ângela Ferreira sublinhou que “as obras continuam sob património do Estado” e assim permanecerão. “Há uma cedência temporária ao Hotel Vila Galé nos termos que a DGPC determinar”, vincou Ângela Ferreira à Lusa.

De acordo com informação disponibilizada na página oficial do Programa Revive, o investimento total para a recuperação do edifício da Coudelaria de Alter e sua conversão em hotel está estimado em oito milhões de euros. Prevê-se que o início de exploração hoteleira aconteça “até ao último trimestre de 2020”. O contrato de concessão do edifício, assinado entre o Estado e o grupo Vila Galé, é válido por 50 anos.

Em articulação com o núcleo museológico do hotel funcionará, nas imediações, um outro espaço museológico, o Centro Interpretativo da Coudelaria, da responsabilidade da Companhia das Lezírias, que contará com outras 15 obras de arte da mesma colecção. Segundo a secretária de Estado, a colecção volta assim “a estar disponível ao público em Alter do Chão, onde ela sempre esteve, e em condições de projecto museológico”.

A Colecção Rainer Daehnhardt, ligada à temática equestre, inclui esporas, selas e “pequenas peças”. Está sob a alçada da DGPC desde 2018 e guardada em reserva no Museu Nacional dos Coches, em Lisboa. As obras “foram transportadas de Alter do Chão para o Museu dos Coches, onde se fez desinfestação, inventariação, algumas obras de restauro, mas nunca chegaram a ser expostas”, argumenta Ângela Ferreira, acrescentando que as obras sempre ali estiveram “em reserva”, inacessíveis ao público.

Contactado pela agência Lusa, o presidente da Câmara de Alter do Chão, Francisco Reis, disse que “uma parte da Colecção Rainer Daehnhardt está no Museu dos Coches, outras peças estão à guarda da DGPC e outras à guarda da Companhia das Lezírias, na Coudelaria de Alter”.

Mais cedências a caminho

Segundo Ângela Ferreira, de futuro haverá mais cedências de obras da Colecção de Arte do Estado, no âmbito do Programa Revive. As condições dessas cedências não estão ainda totalmente definidas.

“Será permitido aos concessionários poderem fazer exposições temporárias destas obras no seu empreendimento turístico, desde que asseguradas todas as condições técnicas necessárias para este tipo de exposição. Não é o concessionário que escolhe as obras de arte, é a DGPC (...). Finda a exposição, [essas obras] regressarão à posse física da DGPC”, exemplificou.

O Programa Revive é uma iniciativa conjunta dos Ministérios da Economia, da Cultura e das Finanças de “promover a requalificação e subsequente aproveitamento turístico de um conjunto de imóveis do Estado com valor arquitectónico, patrimonial, histórico e cultural que não estão a ser devidamente usufruídos pela comunidade”.

A 8 de Janeiro passado, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, revelou que “os contratos de concessão celebrados no âmbito do programa conjunto Revive passarão a incluir uma verba destinada à aquisição de obras de arte contemporânea”. As obras adquiridas entrarão para o acervo da Colecção de Arte Contemporânea do Estado e “será promovida uma verdadeira circulação no território”, para exibição destas obras, indicou a ministra.

Ângela Ferreira disse esta quarta-feira que está por definir qual a percentagem da renda a cobrar às entidades concessionárias, para a aquisição de obras de arte para o Estado.

Na semana passada, o Ministério da Cultura nomeou o gestor Bernardo Alabaça como novo director-geral do Património Cultural, substituindo no cargo Paula Silva. David Santos, que era até agora subdirector-geral, foi entretanto nomeado como curador da Colecção de Arte do Estado. A equipa de Bernardo Alabaça entra em funções na segunda-feira, dia 24.

Segundo o Governo, a mudança na DGPC insere-se na “implementação de um novo ciclo de políticas públicas para o património cultural e para as artes” e que incluirá, por exemplo, a constituição do fundo para a reabilitação do património são emblemáticas desta prioridade estratégica.

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