Arquitectura
A renovação deste apartamento é uma viagem à Lisboa do passado
É o arquitecto setubalense Manuel Tojal, de 36 anos, quem conta a história desta casa. No início do século XX, com o rápido crescimento do município de Lisboa na área da construção, diferentes tipologias repetiram-se um pouco por todos os novos edifícios da cidade, “de forma a rentabilizar os espaços e tornar todo o processo mais eficiente”. Na altura, o típico apartamento da capital era caracterizado por “um corredor comprido que terminava numa cozinha” e em cada uma das extremidades existia um compartimento “que poderia ser sala ou quarto”. Blocos que, “no seu projecto-base, não tinham casa de banho”, pelo que os moradores habitualmente fechavam as varandas, “transformando-as em marquises”.
O Apartamento Latino Coelho – que fica no Bairro de Picoas, mas poderia situar-se em qualquer outro “bairro típico que faz parte do imaginário de quem vive em Lisboa” – é um destes exemplos. Manuel Tojal foi contratado para “melhorar a funcionalidade” do edifício e proceder à sua renovação, mas a ideia, conta ao P3, passou sempre por “manter a identidade” do espaço. É por isso, sublinha, que a intervenção foi “pouco invasiva” e a escolha dos materiais utilizados – como a pedra de Lioz, “presente na grande maioria das cozinhas desta época” – “cuidada”. Alguns elementos, tais como trabalhados e tectos, foram igualmente preservados. Isto porque “o projecto trabalhou sempre a pré-existência com delicadeza”.
Se a tipologia antiga do apartamento já era “caracterizada por espaços de dimensões parecidas que permitiam uma maior polivalência no seu uso”, o arquitecto encontrou na proposta de homogeneização um dos principais trunfos da intervenção. Ao passo que o soalho de madeira “acompanha as diversas zonas”, a opção pelo tom verde-pastel ajuda a criar uma sensação de uniformização. Quando foi necessário demolir algumas paredes, a equipa responsável decidiu “assumir os cortes, deixando-os marcados como se de uma cicatriz se tratasse, realçando depois a diferença entre as portas antigas e as novas”.
Nova foi, por último, “a ideia de se rasgar um vão circular”, que nasceu da “necessidade de abrir a sala para a cozinha”. Esta “passagem entre dois ambientes”, observa Manuel Tojal, “deixou de ser uma mera abertura, passando a ser o motor do projecto”. A colocação do banco no meio do vão, que cumpre “a premissa inicial de separar o espaço social do privado”, permite a sua vivência “como um espaço de reflexão”.