O valor da vida não é igual para todos

É óbvio que os paliativos devem ser sempre uma preocupação, mas por muito bons que sejam não apagam o sofrimento atroz de um doente terminal.

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Paulo Pimenta

A eutanásia está novamente na ordem do dia. O assunto continua a ser uma questão fracturante, mas penso que apenas para quem nunca esteve perto de uma situação que a justificasse.

Já acompanhei e pude testemunhar o que significa uma pessoa estar nos cuidados paliativos — tive alguém muito próximo que vi desfalecer aos poucos com um cancro em fase terminal. Posso dizer que por muito bons que sejam os cuidados prestados não apagam o sofrimento e a agonia de uma doença incurável. A nível físico e psicológico. O argumento de que antes da eutanásia devia existir maior preocupação em melhorar os cuidados paliativos é ignorante e absurdo. 

É óbvio que os paliativos devem ser sempre uma preocupação, mas por muito bons que sejam não apagam o sofrimento atroz de um doente terminal. São questões diferentes, uma não invalida a outra. A medicina paliativa não desacredita a eutanásia pois, enquanto a primeira diz respeito às respostas de um sistema nacional de saúde perante as necessidades de um doente, a segunda relaciona-se com a liberdade e dignidade individuais, consagradas numa opção de escolha. Não são elementos comparáveis, nem devem ser confundidos.

É claro que a morte assistida não pode ser encarada de ânimo leve, mas é precisamente por isso que as propostas apresentadas pelo PS, BE, PEV, IL e PAN definem com clareza as situações em que esta pode ser administrada, sendo até bastante concordantes no essencial: o doente não pode ter qualquer perturbação mental, encontra-se numa condição de doença incurável que acarreta grande sofrimento, tem de fazer o pedido de morte assistida de forma voluntária e consciente e este tem de ser analisado por pelo menos dois médicos, podendo ainda ser incluído um psicólogo. Além disso, o pedido tem de ser assinado na presença de um médico e este não pode retirar qualquer benefício patrimonial aquando da morte do paciente. (Todas estas questões e mais algumas podem ser analisadas aqui).

Uma sociedade que se afirma democrática não pode definir de forma ditatorial algo que é uma escolha individual. A meu ver, um doente debilitado, preso a uma condição que o limita de forma permanente, que o faz sofrer e o impede de ter qualidade de vida, deve ter a dignidade da escolha, já que perdeu todas as outras. O valor da vida não pode ser sinónimo de condenação ao tormento.

A carta aberta de Nuno Almeida, bispo auxiliar de Braga —que espelha bem a posição da igreja em relação a este assunto mostra uma completa insensibilidade perante a situação de um doente debilitado e condenado ao sofrimento, além de embater de frente contra as leis da lógica: “A eutanásia e o suicídio não representam um exercício de liberdade, mas a supressão da própria raiz da liberdade”, diz Nuno Almeida.“Não há dúvida de que há doentes que se sentem mortos psicológica e socialmente (mergulharam numa vida sem sentido e experimentam a mais profunda solidão) e parece-lhes que já só lhes falta morrer biologicamente. Quererão realmente morrer ou quererão sentir-se amados?”, questiona ainda o bispo.

Amar é bonito mas não cura doenças. Amar é bonito mas não tira dores. Amar é bonito mas não devolve qualidade de vida. Pelo menos na vida real. 

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