Prédio em mau estado ameaça família no Seixal

Fernando Madeira diz que já não sabe a que porta há-de mais bater para mostrar que o prédio onde vive com os três filhos pode ruir a qualquer momento. Câmara diz que “tem dado o apoio possível”, mas que a atribuição de casas é “uma competência do Governo”.

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Fernando Madeira diz que já não tem forças para fazer mais nada naquela casa. “Isto está tudo tão podre. Nunca vivi assim na minha vida”. A casa fica num rés-do-chão de um prédio em tom rosado que separa duas ruas na freguesia da Amora, no Seixal. Aproximando-nos do velho edifício são visíveis grandes fissuras nas paredes, parte da varanda desfeita, fios da luz, e das ligações à televisão pendurados na fachada, à mercê do tempo. “Isto a qualquer altura cai. Isto não tem segurança nenhuma.” 

A situação ganha outra dimensão quando passamos a porta do número 2 da Rua dos Operários. O ar é pesado, quase irrespirável. As paredes estão enegrecidas por causa da humidade. A água escorre pela parede. “Isto aqui são cataratas”, diz o homem de 69 anos, apontando para os finos fios de água que se vão acumulando nas paredes. Além das más condições da casa onde vive, Fernando receia que o prédio possa desabar “a qualquer altura” e diz que já não sabe a que porta há-de mais bater para mostrar que o prédio onde vive com os filhos pode ruir a qualquer momento.

Segundo conta, os problemas de infiltrações intensificaram-se há alguns meses, quando o prédio contíguo foi demolido, precisamente por estar em risco de ruína. Ao lado, ainda sobram alguns escombros da demolição e está já prevista a construção de novas vivendas.

Fernando Madeira vive naquela casa há três anos, depois de ter regressado de Angola, fugindo de um conflito familiar. A casa é, na verdade, um T1, com uma cozinha que dá para a sala e uma casa de banho interior minúscula, mas acolhe quatro pessoas. Tornou-se demasiado pequena quando os filhos mais velhos, que não viam o pai há uma década, regressaram de Angola no final de 2018, no âmbito do programa “Natal em Casa” do Correio da Manhã/CMTV.

Hoje, Fernando vive ali com os três filhos de 8, 18 e 21 anos. Os mais velhos dormem no único quarto, onde parte do estuque do tecto caiu em Maio passado. Ele dorme com o mais novo numa espécie de sofá-cama no meio da sala. Além disso, é frequente aparecerem pragas como baratas, lagartixas e até lesmas. “Até cogumelos já me nasceram nas paredes. Uma pessoa não consegue viver em condições. E eu não tenho alternativas”. 

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Os Bombeiros da Amora foram chamados ao local no dia 7 de Maio de 2019, por volta das 10h20. “Na altura, fomos lá porque houve uma queda de uns pedaços do tecto no quarto”, recorda o segundo comandante Jorge Navalho ao PÚBLICO. 

Tal deveu-se à “imensa humidade” que há dentro da casa. “São duas divisões. Não tem condições nenhumas para algum ser humano viver, quanto mais quatro pessoas”, nota o bombeiro, que esclarece ainda que, na altura, não foi detectado “risco de queda iminente da habitação, o que não quer dizer que não aconteça mais tarde”. 

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Fim do contrato

Com o aumento do preço das casas e das rendas no concelho, Fernando não consegue encontrar uma que possa acomodar toda a família pelo valor que pode pagar. Vive com uma reforma de 600 euros, com uma parte penhorada por dívidas. Os filhos mais velhos estão ainda a terminar o Ensino Secundário. Paga 185 euros de renda, que inclui as despesas de água e luz.

Em Dezembro, um dos herdeiros do imóvel, que está em processo de partilhas, comunicou-lhes que não pretende renovar o contrato de arrendamento que termina no final deste mês. Vítor Lopes admite que o imóvel não oferece neste momento “garantia de segurança e salubridade” e que o caso já foi comunicado, por duas vezes, à protecção civil de Setúbal. Sem mais opções, Fernando desdobrou-se em mais contactos para pedir uma alternativa habitacional, tanto junto da Câmara do Seixal e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). A resposta ainda não chegou. 

Ao PÚBLICO, a Câmara do Seixal diz que “conhece a situação e [que] tem dado o apoio possível, tendo em conta que a atribuição de habitações é, em primeira instância, uma competência do Governo”, através do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e da Segurança Social, “e não da autarquia”. O PÚBLICO questionou o IHRU, via Ministério da Habitação, mas não obteve resposta. 

Proprietário intimado a fazer obras

A autarquia nota ainda que “o munícipe já se encontra na lista de acesso a habitação e referenciado junto da instituição social de referência no território, entidade a quem compete desenvolver as acções necessárias em situações de crise e emergência social, como é o presente caso”. E acrescenta que “esta é uma questão que preocupa a autarquia pelo que já foram efectuadas várias diligências, entre as quais visitas domiciliárias ao local, vistorias de segurança e salubridade, verificação do edifício por parte dos técnicos e ainda notificação aos proprietários do edifício contíguo, que já iniciaram os trabalhos de demolição do mesmo”. 

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A câmara do Seixal nota ainda que, tratando-se de propriedade privada, “a realização das obras de reabilitação do edificado é da responsabilidade do proprietário, que já foi intimado para o efeito”, explica.

No dia 20 de Maio de 2019, foi feita uma vistoria de segurança ao prédio pelos serviços municipais de protecção civil, que concluiu que “no piso térreo e no 1.º andar, se observam sinais de infiltrações nas paredes e tectos de parte das divisões confinantes com a construção contígua (Rua Prof. José Maria Vinagre, 34). Segundo o ofício que foi enviado ao senhorio, os técnicos notam que “a construção contígua se encontra devoluta e em elevado estado de degradação, tendo o telhado abatido parcialmente, possibilitando a ocorrência de infiltrações para o interior do edifício vistoriado”.

Já no interior do prédio, foram detectados “dois focos de infiltração nos tectos do piso térreo, com origem nas canalizações das fracções do 1.º andar”. Por isso, os serviços notificaram o proprietário que revisse a cobertura, a caleira e o tubo de queda do edifício, assim como as canalizações das fracções do 1.º andar — que entretanto ficou vazio —, “de forma a suprimir os dois focos de infiltração que ocorrem no piso térreo”, assim como a “reparação e pintura dos tectos e paredes do edifício vistoriado”. 

Estas intervenções deveriam ter início, no máximo, dez dias úteis após a recepção da notificação (cuja expedição data de 25 de Junho de 2019), e deveriam ficar concluídas em 40 dias úteis e deveriam ser feitas sem a desocupação do prédio. Vítor Lopes admite não ter feito as obras, por não haver forma de as fazer sem retirar Fernando e os filhos dali, e não ter sido oferecida qualquer alternativa habitacional, ainda que provisória. “Ainda há cinco anos fiz obras no telhado”, diz, repetindo que os problemas se intensificaram quando o prédio do lado ruiu. Além disso, como o prédio está envolvido num processo de partilhas, não sabe ainda que destino terá. O mais provável será a sua demolição. 

Com esse cenário a pairar sempre nos seus pensamentos, Fernando Madeira garante que vai continuar a insistir junto das entidades para conseguir uma casa. “Para já, é só esperar que caia. E que nós não estejamos cá.”

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