O antes e o depois no controlo do branqueamento

A suspensão de operações que ascendem a 2,5 mil milhões de euros, praticamente o valor que o país gasta anualmente com a sua Defesa, mostra um nível geral de cuidado e de atenção que merece ser apoiado.

De duas uma: ou Portugal era um paraíso para quem quisesse movimentar capitais de origem suspeita, ou no ano passado tornou-se um verdadeiro campeão na prevenção e controlo de operações de branqueamento de capitais. O que é improvável que tenha acontecido é o mesmo cuidado permanente na verificação de transferências financeiras entre 2017 e 2019. No primeiro ano, as autoridades suspenderam 156 vezes menos operações avaliadas pelo seu valor do que no ano passado. E por muito que possam ser consideradas condições excepcionais, como as que resultam da crise política na Venezuela que provocaram um aumento anormal de transferências de activos financeiros sedeados em Portugal, as explicações mais lógicas para o que aconteceu têm de se procurar na transposição da legislação europeia para o ordenamento jurídico nacional. Só depois de 2017 parece ter havido um súbito despertar para o problema.

É possível encarar essa mudança de atitude imposta pela lei com um olhar crítico. Ou dirigindo-o a um vazio legal, ou para uma interpretação laxista das leis existentes. Mas mais do que apontar responsabilidades para a Procuradoria-Geral da República ou para os bancos, é conveniente notar que o escasso número de operações suspensas por suspeita de branqueamento só pode ter acontecido à custa de uma cultura de negligência ou de cumplicidade tácita.

Nos bancos, ou no sector imobiliário, os anos de crise relativizaram os compromissos éticos. Desde que houvesse dinheiro, tudo ou quase tudo era tolerável ou possível. Essa cultura laxista e facilitadora do crime de lavagem de dinheiro não desapareceu de todo – veja-se o que aconteceu com as revelações do Luanda Leaks. Veja-se também o vagar com que o Governo tem estado a adoptar a legislação europeia. Mas a mudança da lei imposta por Bruxelas e um clamor público crescente contra a impunidade e a corrupção estão a fazer com que seja cada vez mais difícil fechar os olhos perante as suspeitas de lavagem de dinheiro.

É por isso que entre o antes e o depois de 2019 não há escolha possível. Mesmo que se possa recear um exagero de cautelas por parte das autoridades, é sempre melhor haver excesso de empenho no combate ao branqueamento do que defeito. A suspensão de operações que ascendem a 2,5 mil milhões de euros, praticamente o valor que o país gasta anualmente com a sua Defesa, mostra um nível geral de cuidado e de atenção que merece ser apoiado. E torna a adopção integral da directiva europeia contra a lavagem de dinheiro, que Portugal deveria ter concluído a 10 de Janeiro, uma obrigação inadiável.

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