Os 70% de Marcelo

Há alguns meses, as presidenciais de Março de 2021 eram olhadas com pouco interesse, como um passeio para Marcelo. Mas, na política, como na vida, tudo pode mudar de um momento para o outro.

Em que é que a última directiva da procuradora-Geral da República, o referendo à eutanásia e Ana Gomes se cruzam? A resposta é Marcelo Rebelo de Sousa. Os três podem vir a ser pedras bicudas no sapato do Presidente que sonha ser reeleito com mais dos 70,35% dos votos que os portugueses deram a Mário Soares em 1991.

1. Entre a possibilidade de um referendo que trave a eutanásia ou o veto político do diploma (que é certo que será aprovado no Parlamento na próxima semana), o Presidente da República preferirá a primeira hipótese. Nessa perspectiva, Marcelo não necessitaria de irritar o eleitorado de esquerda em vésperas de eleições presidenciais e veria resolvido aquilo que a seu ver é um problema. Porém, a realização de um referendo não será aceite pela maior parte dos deputados e, por isso, a decisão deverá caber a Marcelo que nem sequer poderá contar com grande ajuda do Tribunal Constitucional. O futuro elenco do plenário do Palácio Ratton será mais à esquerda e o Presidente da República sabe que as hipóteses do diploma sobre a eutanásia ser declarado inconstitucional diminuem drasticamente. A única forma de o debate sobre a eutanásia não prejudicar as contas presidenciais de Marcelo seria os partidos de direita arrastarem as audições - há já vozes a pronunciarem-se nesse sentido - e prolongarem o processo para a próxima sessão legislativa.

2. É a assinatura de Marcelo Rebelo de Sousa que consta na nomeação de Lucília Gago como procuradora-geral da República, em Setembro de 2018, embora sob proposta de António Costa, cuja carta a Presidência oportunamente divulgou na sua página na Internet. Quando a actual procuradora-geral faz uma directiva que inflama os magistrados do Ministério Público e lança a suspeita de se poder proteger políticos, é também Marcelo Rebelo de Sousa que fica sob fogo. Se Lucília Gago não recuar em toda a linha (esta semana, houve um primeiro passo), o Presidente será chamado a intervir de forma mais enérgica, tal como já se percebeu pela entrevista do secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público ao PÚBLICO. Como o novo parecer que a procuradora-geral pediu ao Conselho Consultivo poderá demorar alguns meses, este será portanto mais um tema que pode ficar adiado para o final do ano, já a bater com a campanha para as presidenciais.

3. Há alguns meses, as eleições presidenciais de Março de 2021 eram olhadas com pouco interesse, como sendo um passeio para Marcelo, a confirmar-se a sua apresentação de recandidatura (o tabu só será desfeito em Outubro). Na política, como na vida, tudo pode mudar rapidamente de um momento para o outro e foi o que aconteceu. O CDS, que estava disposto a apoiar Marcelo, mudou de líder e de ideias. O PS, que preparava terreno para dar o “sim” a Marcelo, ameaça deslaçar-se com apelos sucessivos a uma candidatura de Ana Gomes. E, pelo meio, até surgiu uma nova candidatura populista e xenófoba, a de André Ventura, do Chega.

70,35% dos votos em 2021? A aritmética não facilita. Mas, também é certo, tudo pode mudar rapidamente de um momento para o outro.

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