Assim é o objecto mais longínquo que visitámos

O Arrokoth (como agora se chama) é vermelho, frio e formou-se há 4000 milhões de anos.

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A superfície do Arrokoth é toda avermelhada NASA

Afinal, o que é que sabemos sobre o objecto mais longínquo que já visitámos? Três artigos científicos publicados esta semana na revista Science trazem-nos mais novidades. Sabemos agora que não se formou violentamente, que tem 4000 milhões de anos e é totalmente vermelho e frio. 

A partir de Novembro, o nome do objecto mais longínquo que visitámos até agora – o 2014 MU69 – passou a ser Arrokoth, que significa “céu” na língua indígena norte-americana do povo powhatan. Até então, era conhecido pela alcunha de Ultima Thule, expressão em latim que significa um “lugar além do mundo conhecido”.

A mudança aconteceu porque Ultima Thule estava associado aos nazis. “Thule foi um dos nomes que eles deram ao que acreditavam ser a antiga terra natal dos arianos, uma utopia ariana pré-histórica em que essa terra tinha desaparecido devido à miscigenação racial, a uma cheia ou a algo do género”, referiu ao jornal norte-americano The New York Times Eric Kurlander, professor de história da Universidade Stetson, nos EUA. O nome também foi usado pela Sociedade Thule, um grupo racista criado em 1918 e que teve importância na formação do Partido Alemão dos Trabalhadores, precursor do Partido Nazi.

Voltando ao 2014 MU69: a bordo da sonda New Horizons da NASA, em Janeiro de 2019 houve a grande aproximação a este objecto, situado a 6400 milhões de quilómetros de distância da Terra, na cintura de Kuiper, uma zona mais periférica do nosso sistema solar. Viu-se logo que tinha dois lóbulos e que era encarnado. Já em Maio foi publicado na Science o primeiro artigo científico sobre o Arrokoth. Mas, nessa altura, apenas se analisou uma pequena parte da informação recolhida durante a aproximação ao objecto.

Nos artigos publicados agora na Science examinou-se dez vezes mais informação e usaram-se dados com elevada resolução, assim como simulações computacionais mais sofisticadas.  

Precisamente através de simulações, uma equipa tentou perceber como o Arrokoth se tinha formado. Num dos artigos, indica-se que os dois lóbulos eram corpos independentes e que se juntaram – tal como estão hoje – de forma “muito suave”. Ao que tudo indica, lentamente os lóbulos orbitaram-se um ao outro e fundiram-se suavemente para criar este objecto com cerca de 35 quilómetros de comprimento. Tudo isto aconteceu quando uma nuvem de partículas sólidas foi atraída pela força gravítica. Descarta-se assim a hipótese de que a formação deste objecto terá acontecido de forma violenta.

“Parece-nos que o Arrokoth não se formou devido a colisões violentas, mas a uma dança intricada em que os objectos que o compõem se orbitaram lentamente até se unirem”, considera William McKinnon, investigador da missão New Horizons e líder do artigo sobre a formação do objecto, num comunicado da NASA.

Num outro artigo, explorou-se a forma do Arrokoth. E concluiu-se que os lóbulos são menos planos e mais volumosos do que se julgava inicialmente. De acordo com uma equipa liderada por John Spencer (do Instituto de Investigação do Sudoeste, nos EUA), a superfície do Arrokoth é bastante lisa e o objecto conserva algumas crateras. Essas crateras são um sinal de que o objecto ficou assim preservado desde a sua formação, que se estima que tenha acontecido há 4000 milhões de anos – portanto, nos primórdios do nosso sistema solar.

Num último artigo, outra equipa de cientistas dá-nos mais pormenores sobre a composição, cor e a temperatura da superfície do 2014 MU69. E como é? É vermelha, fria e coberta com gelo de metanol. “Provavelmente, o vermelho deve-se à presença de moléculas orgânicas”, refere esta equipa de autores liderada por Will Grundy, do Observatório Lowell (nos EUA), num resumo sobre o trabalho. Mesmo que não se tenha encontrado água, os investigadores não descartam essa hipótese e referem que pode estar “mascarada ou escondida à nossa vista”.

“O Arrokoth é o objecto mais distante, primitivo e prístino até agora explorado por uma sonda”, assinala Alan Stern, investigador principal da New Horizons. “Tem-nos ensinado como se formaram os planetesimais [pequenos corpos primitivos que iam chocando entre si até formar os planetas] e acreditamos que o resultado marca um avanço significativo na compreensão geral dos planetesimais e da formação planetária.”

Enquanto recebemos estas informações sobre o Arrokoth, a New Horizons continua pela cintura de Kuiper a tentar desvendar outros enigmas. Actualmente, está a mais de 7000 milhões de quilómetros de nós.

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