Bruxelas processa Portugal por discriminar carros importados no ISV

A Comissão Europeia vai processar o Estado português no Tribunal Europeu de Justiça pela recusa do Governo em corrigir a fórmula de cálculo do Imposto sobre Veículos dos carros importados usados.

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rui gaudencio

A Comissão Europeia tinha ameaçado o Governo português em Novembro e agora cumpriu: Bruxelas processou o Estado português no Tribunal Europeu de Justiça depois de o executivo de António Costa se ter recusado a corrigir a fórmula de cálculo do Imposto sobre Veículos para carros importados usados.

Não foi por falta de aviso nem foi uma decisão inesperada. A Autoridade Tributária já tinha perdido quatro casos contra contribuintes que recorreram aos tribunais portugueses e o Ministério das Finanças sabia que tinha um prazo apertado para corrigir as regras para evitar que o caso fosse mais longe nas instâncias comunitárias.

Porém, Lisboa ignorou as sentenças do Centro de Arbitragem Administrativa de Lisboa, que condenou o fisco a devolver parte do imposto por violação das regras europeias. E recusou-se a alterar o Código do ISV, conforme exigia Bruxelas, quando teve oportunidade de o fazer em sede do Orçamento do Estado (OE) para 2020.

Mesmo o Parlamento, que tinha uma palavra importante a dizer sobre o OE, não quis dar cumprimento às sentenças, que confirmaram em solo nacional aquilo que a Comissão Europeia considera uma discriminação inaceitável em matéria fiscal sobre carros que tenham sido importados para Portugal depois de terem tido uma primeira matrícula noutro país da União Europeia.

Antes da discussão e aprovação do OE, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais dizia ao PÚBLICO que o Governo não se conformava com o processo de infracção levantado no início de 2019 por Bruxelas, que acabaria por emitir já no final desse ano um parecer fundamentado em que rejeitava as explicações portuguesas.

Resistindo a mudar a lei, o Governo mandou o OE para o Parlamento sem tocar nos aspectos que agora justificam o processo no Tribunal de Justiça sediado no Luxemburgo. E mesmo os deputados acabaram por não corrigir o Governo quando deixaram chumbar, às mãos do PS e do PAN, uma proposta de alteração feita pelo CDS, que se propunha a solucionar o problema.

O que está em causa é o facto de o fisco cobrar ISV aos carros usados importados como se ele fosse novo. Isso acontece na componente ambiental do imposto, que não é depreciado segundo a idade do veículo, tal como se faz na componente de cilindrada (só ISV). Na prática, o dono do carro paga parte do ISV (a que está ligada às emissões de CO2) como se o carro fosse novo.

“A Comissão decidiu hoje instaurar junto do Tribunal de Justiça da União Europeia uma acção contra Portugal pelo facto de este sujeitar os veículos usados importados de outros Estados-membros a uma carga tributária superior à dos veículos usados adquiridos no mercado português”, lê-se num comunicado divulgado nesta quarta-feira.

“Ao abrigo das regras da UE, nenhum Estado-Membro pode fazer incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares”, recorda.

“A legislação portuguesa em causa não tem plenamente em conta a depreciação dos veículos importados de outros Estados-membros e é, por conseguinte, incompatível com o Artigo 110.º do TFUE. O Tribunal de Justiça da União Europeia tinha já concluído, em 16 de Junho de 2016 (Acórdão C-200/15), que uma versão anterior deste imposto português era contrária ao direito da UE”, sublinha a Comissão.

Agora, “a decisão de remeter a questão para o Tribunal de Justiça decorre do facto de Portugal não ter alterado a sua legislação para a tornar conforme com o direito da UE, na sequência do parecer fundamentado da Comissão.

O Governo tem agora mais processos judiciais pela frente, incluindo este braço-de-ferro com Bruxelas. Em solo nacional, aguarda pelo Tribunal Constitucional, para o qual recorreu depois de uma das condenações do fisco. O executivo alega que há razões ambientais que justificam a não depreciação da componente de CO2 e entende que baixar esse valor aos carros usados importados seria, isso sim, um benefício injusto face aos carros novos, que pagam o ISV na legalização, como novos, sem desconto.

As duas decisões mais recentes da justiça portuguesa foram desfavoráveis e surgiram com apenas quatro dias de diferença. O PÚBLICO tinha noticiado três condenações do fisco e, a 31 de Janeiro, surgiu uma quarta condenação. Nesse caso, o fisco é obrigado a devolver a um contribuinte de Aveiro 430 euros (mais juros) de ISV, pagos a mais pela legalização, em Março de 2019, de um Peugeot cuja primeira matrícula foi atribuída na Alemanha, em 2015.

São assim quatro derrotas, com decisões de quatro juízes árbitros diferentes.

O Estado tem recorrido, mas no recurso do segundo caso viu o juiz-conselheiro decretar o caso “deserto”. Isto significa que quem tem o processo em mãos considerou que o fisco não apresentou alegações devidas depois de ter sido instado a esclarecer aspectos do recurso apresentado. Isto não é o fim do recurso, porque a AT ainda tem pelo menos mais uma etapa no Constitucional para tentar reverter as condenações que tem sofrido.

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