“Mondo” Duplantis deixou, literalmente, a fasquia mais alta. E agora?

Com apenas 20 anos, o norte-americano que compete pela Suécia deixou o recorde mundial do salto com vara a 6,17m.

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LUSA/TYTUS ZMIJEWSKI

Haverá limites inultrapassáveis no atletismo? Essa é uma discussão que sempre existiu, os limites inultrapassáveis é que vão mudando. Há 100 anos, em 1920, valiam como recorde mundial não oficial do salto com vara os 4,09m que deram ao norte-americano Frank Foss o título olímpico nos Jogos de Antuérpia. Para se chegar aos cinco metros, foram mais 43 anos (Brian Sternberg, dos EUA), e o soviético Sergey Bubka foi o primeiro a voar acima dos seis metros, em 1985. Já como ucraniano, Bubka deixou a fasquia nos 6,15m (em pista coberta) em 1993. Esta já parecia uma marca impossível que vigorou durante 21 anos, até Renaud Lavillenie lhe acrescentar mais um centímetro (6,16m, em 2014). Mas o francês nem seis anos segurou o estatuto de melhor de sempre. Armand “Mondo” Duplantis deixou no último sábado a fasquia literalmente mais alta para ele próprio e para toda a gente.

Foi por apenas mais um centímetro, mas o norte-americano que compete pela Suécia conseguiu bastante folga quando saltou os 6,17m no meeting de Torun, na Polónia. Já tinha feito uma tentativa em Dusseldorf quatro dias antes (ficou perto), mas acabou por consegui-lo na reunião polaca e sem qualquer pressão competitiva. Todos os outros ficaram nos 5,52m, Duplantis passou à primeira a 5,72m, 5,91m e 6,01m. Falhou por pouco o recorde do mundo à primeira, mas sentiu-se confiante para continuar a tentar. E foi o que fez. Tornou-se recordista do mundo aos 20 anos, tal como Bubka quando estabeleceu o primeiro dos seus 35 recordes mundiais da vara (ao ar livre e em pista coberta).

Nuno Fernandes, antigo recordista português do salto com vara, olha para Duplantis como o novo “Czar das alturas”. “O Bubka também chegou muito cedo ao apogeu. Não esperava que [o recorde mundial] acontecesse tão cedo, mas foi espectacular. Foi um salto muito bonito e acho que ele tem alguma margem de progressão. Eu sempre achei que o Bubka podia ter deixado o recorde mais acima, dez, 15 centímetros. Acho que o Duplantis está no mesmo patamar”, comenta ao PÚBLICO o antigo atleta, que foi o recordista português entre 1992 e 2013 - deixou o máximo nacional em 5,66m em 1996, e desde então, apenas cresceu mais cinco centímetros, sendo Diogo Ferreira o actual recordista desde 2017, com 5,71m.

Prodígio

“Mondo” já era um saltador de classe mundial aos 17 anos, com uma marca de 5,90m. E, desde então, a sua progressão tem sido fenomenal: 6,05m aos 18, 6,00m aos 19, e um incrível salto de 17 centímetros para 2020. Já foi campeão europeu em Berlim e vice-campeão mundial em Doha, atrás do norte-americano Sam Kendricks – os dois saltaram a mesma altura, mas Kendricks teve menos derrubes durante o concurso. E vai chegar aos Jogos de Tóquio como o grande favorito, e como o símbolo de renovação no atletismo, uma modalidade que tem sofrido muito com os escândalos de doping e que precisa urgentemente de uma “estrela” de impacto global, como era Usain Bolt.

A ascensão de “Mondo” Duplantis tem sido uma espécie de negócio familiar. Greg Duplantis, o pai, também foi atleta do salto com vara (5,80m de recorde pessoal) e é o treinador de “Mondo”. A mãe, Helena, uma antiga atleta sueca do heptatlo e do salto em altura, é a sua preparadora física. Tal como todos os irmãos, “Mondo” começou a saltar no quintal da casa da família e foi ele que mostrou mais aptidão para esta especialidade. “De todos os meus filhos, foi ele que mostrou mais entusiasmo. É preciso ser temerário e o ‘Mondo’ não tem medo”, dizia Greg Duplantis ao PÚBLICO.

“Queria isto desde que tinha três anos”, confessou Duplantis após tornar-se no novo recordista mundial. Sem medo, Armand, que escolheu competir pelo país da mãe apesar de ter nascido nos EUA, vai fazendo história no atletismo e deixando toda a concorrência para trás. Lavillenie, que ganhou o seu lugar na história por ter batido o recorde de Bubka, acredita que o seu jovem adversário pode passar dos 6,20m. “Sim, acredito, não há nenhuma razão para não pensar nisso a longo prazo”, disse o francês, que estava numa competição em França quando soube do recorde de Duplantis. Kendricks, o campeão mundial, também estava na mesma competição e reagiu com algum conformismo quando soube: “O meu destino não é bater o recorde do mundo. Era o dele.”

Voltando ao “e agora?”, qual será o limite no recorde do salto com vara? Haverá sempre uma evolução tecnológica nas varas, uma nova técnica de salto ou de pega na própria vara que irá sempre obrigar a recalcular esses limites. Ou haverá um talento aliado a uma tipologia física e uma personalidade temerária que vai esticando esse limite. Bubka era assim. Batia o recorde um centímetro de cada vez a pensar nos prémios monetários que iria ganhar. “Fazem-se cálculos, mas isso tem mesmo a ver com as pessoas e com as condições que têm. Ninguém esperava que o Lavillenie batesse o recorde, mas bateu, e, depois, nunca mais chegou lá outra vez. O Bubka teve saltos em que ia para lá dos 6,30m. Acho que este irá pelo mesmo caminho. Muito mais não seria porque a vara continua a ser do mesmo tamanho [com o máximo de 5,30m de comprimento]”, refere Nuno Fernandes.

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Lavillenie e Duplantis nos Mundiais de atletismo de 2017, em Londres REUTERS/Kai Pfaffenbach

O antigo recordista português não vê mais ninguém que possa deixar a fasquia mais alta que não seja o próprio Duplantis, bem menos musculado que o típico varista e, por isso, mais leve para voar: “Isto é uma conjugação de vários factores. Um dos principais é a velocidade e tudo o resto vem a seguir. A técnica dele é perfeita, adapta-se ao tamanho e ao corpo dele. Tem de haver um equilíbrio muito grande entre peso, força e velocidade.”

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