Maternidade: o que nunca ninguém nos contou!

Carmen Garcia, enfermeira de profissão e mãe de dois rapazes, escreve com humor sobre as alegrias e os desaires da maternidade na página de Facebook A Mãe Imperfeita. É uma das Pares do Ímpar.

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"Ser mãe é bom. Tão extraordinariamente compensador, tão assustadoramente avassalador" Sharon McCutcheon/Unsplash

Um dia descobrimos que estamos grávidas e, na nossa cabeça, começam a passar em loop as imagens que povoam os anúncios de televisão e as revistas de maternidade. Nessas imagens há quase sempre uma mãe penteada, de ar sereno, e um bebé gorducho, com um sorriso de dois dentes e um pezinho a caminho da boca. E é assim que nós, mesmo sem querer, nos vamos iludindo.

É que nesses anúncios nunca ninguém diz que a primeira noite que passamos sozinhas com o nosso filho, no hospital, é quase sempre aterradora. Ninguém nos conta que ficamos perdidas, solitárias e com medo. E ainda menos nos dizem que, muitas vezes, o amor pelos nossos filhos não é imediato.

Poucos falam na confusão hormonal, na angústia que é passar, de repente, para o papel de mãe; no nó no peito que se forma quando achamos que não vamos conseguir, que não vamos estar à altura. Poucas vezes nos dizem que é aterrador o momento em que percebemos que agora é para sempre e não há volta a dar.

Depois são as coisas práticas, aqueles tabus perfeitamente tolos que nunca consegui perceber. Lembro-me de ler imenso sobre amamentação, por exemplo, e não encontrar referido em lado nenhum que, no início, amamentar dói. E não está relacionado com uma técnica de pega incorrecta por parte do bebé. Dói porque dói. Durante alguns dias a primeira sucção de cada mamada faz-nos cerrar os dentes com o desconforto. Mas parece que toda a gente achou melhor omitir essa parte. Essa e a da barriga que fica depois de parirmos (e sim, parir é o termo científico correcto para o acto de colocar um bebé no mundo). Curioso que nunca nos refiram que, depois de o bebé nascer, a nossa barriga continua uma bola mas agora em modo mole. E, às vezes, de uma forma profundamente estranha, parece que ainda anda tudo a mexer-se nas nossas entranhas.

E querem saber outra coisa que ninguém nos conta? A hora em que voltamos para casa com um bebé nos braços é estranha, tão estranha que, às vezes, parece que estamos a viver tudo fora do corpo. De repente voltamos à nossa casa, ao lugar que conhecemos como lar, ao nosso porto seguro, e percebemos que já nada é igual. Agora há outra pessoa ali, uma pessoinha de 50 centímetros que vai obrigar a que tudo se reorganize e que, durante algum tempo, nos vai fazer sentir que já nem a nossa casa é a mesma.

Depois de publicar o primeiro livro, numa entrevista, uma jornalista perguntava-me como é que descrevia os meus primeiros dias como mãe. E eu só consegui responder com uma palavra: névoa. Quando olho para trás, três anos depois de o meu primeiro filho ter entrado comigo pela porta do T1 onde vivíamos, vejo aqueles dias toldados por uma névoa imensa. Sei que girava tudo à volta do bebé, que não saía de casa pelo frio que fazia lá fora e que aqueles dias foram uma espécie de pausa na minha vida. Dormia pouco e mal, estava exausta, trocava de um pijama para outro e passava o tempo a engolir a vontade de chorar.

As coisas foram diferentes com o segundo filho, é certo. Quando sabemos ao que vamos acaba por ser tudo mais fácil, pelo menos do ponto de vista logístico e de adaptação. Mas querem saber? Também aqui se esqueceram de me contar que quando entramos em casa com um novo bebé sentimos um bocadinho que estamos a trair o mais velho que, até ali, não precisava de disputar atenções. E que, a cada crise de ciúmes, o nosso coração de mãe se afoga um bocadinho mais no mar da culpa. E já que falo em culpa, contaram-vos que ela ia passar a ser a vossa mais fiel companheira? Se não contaram, conto-vos eu.

Enfim, se estão grávidas e a ler estas palavras, não se sintam assustadas. Ser mãe é bom. Tão extraordinariamente compensador, tão assustadoramente avassalador. O amor que sentimos pelos nossos filhos cresce a cada dia e, quando damos por isso, temos a certeza que o cliché é verdadeiro e que o nosso coração bate mesmo fora do peito. A questão é que, esta parte, já toda a gente vos contou. E é preciso falar abertamente sobre o outro lado. O lado sobre o qual pouco se fala.

A Mãe Imperfeita é um parceiro do Pares do Ímpar. Os conteúdos publicados são da responsabilidade da autora. Pares do Ímpar é um projecto de parceria entre o PÚBLICO e criadores independentes de conteúdos em áreas especializadas, complementares ao alinhamento editorial do Ímpar.

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