Nuno Botelho defende nova campanha cívica para salvar o Coliseu do Porto

Nuno Botelho e o vereador Ricardo Valente envolveram-se em polémica por causa da proposta de concessão do equipamento, que precisa de obras urgentes. Sucessor de Moreira na ACP exige “transparência” na eventual entrega da sala a privados.

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Coliseu precisa de obras que, segundo Rui Moreira, podem custar 8,5 milhões de euros. Rui Farinha | NFactos

O presidente da Associação Comercial do Porto, Nuno Botelho, considera que o conselho municipal de Cultura não esteve bem ao propor a concessão do Coliseu do Porto, ultrapassando, na sua perspectiva, as competências da assembleia-geral da entidade proprietária do espaço, a Associação dos Amigos do Coliseu.

Botelho, que não critica a eventual concessão, admite, contudo, que, se este modelo não garantir, “com transparência”, um conjunto de condições, “a cidade se volte a unir em torno do seu Coliseu e que consiga reunir o financiamento necessário para suportar as inadiáveis obras naquela sala”, que não admite ver transformada, a prazo, “num templo religioso, num supermercado ou num ginásio low-cost”.

A polémica tem corrido esta semana nas páginas de opinião do Jornal de Notícias, onde Botelho é colunista, mas saltou, este sábado, também para o PÚBLICO, com a Associação Comercial do Porto (ACP), a que preside, a inserir um anúncio de uma página que não é mais do que a resposta, publicada no mesmo dia, sob a forma de nova crónica no JN, a um artigo no mesmo jornal, de sexta-feira, do vereador da Economia, Ricardo Valente. O autarca, eleito pelo PSD em 2013, afastou-se daquele partido já no mandato anterior, tendo integrado as listas de Rui Moreira nas eleições de 2017. 

O primeiro artigo de Botelho não levanta grandes ondas em relação à proposta de concessão, que não o “choca, de todo”, e que até considera “ser um bom caminho”, desde que salvaguardados “os princípios da sã concorrência (a legalidade e o funcionamento do mercado)”, os direitos dos trabalhadores e a posição dos proprietários (as dezenas de membros, dos individuais anónimos às empresas e entidades da Associação dos Amigos do Coliseu)”.

O presidente da ACP ainda admite que possa haver quem questione que a câmara, com tão boas contas, não possa pagar os 8,5 milhões de euros apontados como valor para as obras de reabilitação, mas até diz, logo a seguir, que sendo “boa”, a questão “é lateral”. O que importa, insiste, é que as obras de reabilitação se façam.

Botelho desmente Valente

Ricardo Valente conseguiu ver naquelas linhas que Botelho estava a “exigir” que a Câmara do Porto municipalizasse o Coliseu, e pagasse as respectivas obras, e que estava ainda “questionar” as condições da concessão que Rui Moreira, pelo município, o Governo, através da Direcção Regional de Cultura e a Área Metropolitana do Porto (os três principais sócios da organização detentora da sala de espectáculos), acordaram propor aos restantes associados.

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Nuno Botelho e Ricardo Valente trocaram acusações por causa do Coliseu Adriano Miranda

O autarca acusou o presidente da ACP de “não saber o que diz, por não querer saber”, por se ter auto-excluído do Conselho Municipal de Economia, que se reuniu no passado dia 29 de Janeiro, em conjunto com o Conselho Municipal de Cultura, num encontro em que o tema foi discutido.

O autarca questiona ainda por que facto uma entidade, como a ACP, que concorreu à concessão do Pavilhão Rosa Mota (a sua proposta não chegou a ser analisada pelo júri), defende agora, na sua interpretação, a “municipalização” do Coliseu. E, pergunta, a terminar a réplica, se Botelho defenderia a municipalização do Palácio da Bolsa, caso a Associação Comercial do Porto deixasse de ter meios para garantir a manutenção deste icónico edifício da zona histórica, erguido com dinheiro dos respectivos associados. 

A resposta de Botelho, quer no JN, quer no recurso a publicidade, no PÚBLICO, deixa antever que a questão da concessão do Coliseu não é tão pacífica como transpareceu da respectiva apresentação, feita por Rui Moreira, ladeado pelo director regional de cultura e por um representante da Área Metropolitana, à saída da reunião dos dois conselhos municipais.

Nuno Botelho garante, no seu segundo artigo, que nem ele nem a ACP se excluíram do organismo municipal consultivo para a área da economia, do qual a associação, do ponto de vista institucional, é membro efectivo. E mais, assegura que não foram convidados para a reunião de dia 29, em que o assunto esteve em cima da mesa. “Terá sido lapso? Terá sido conveniência? O facto é que a voz da Associação Comercial não pôde fazer-se ouvir naquele órgão municipal”, escreve.

Câmara instada a contribuir para as obras

“Acresce que, na minha opinião, de resto partilhada por inúmeras instituições e personalidades da cidade, não cabe ao Conselho Municipal de Economia o debate e a decisão do futuro do Coliseu. A decisão cabe, isso sim, à assembleia-geral dos Amigos do Coliseu, associação precisamente criada para evitar que o edifício e tudo o que ele representa viesse a cair em mãos erradas. Hoje, como então, a sociedade civil do Porto não abdica do seu património e dos seus valores imateriais”, insiste Nuno Botelho, admitindo, nesse sentido, que tal como aconteceu nos anos 90, quando a sala esteve para ser adquirida pela IURD, a cidade se mobilize, financeiramente, para salvar agora o edifício da degradação física.

“Disse, e escrevi, que a Associação Comercial do Porto estaria na primeira linha desse movimento e prestaria o seu contributo financeiro, se necessário. Não quero acreditar que a Câmara Municipal do Porto não incorpore e não se junte a esse movimento das forças vivas da cidade, contribuindo para as obras na parte que, como membro dos Amigos do Coliseu, lhe competiria”, adianta o antigo braço-direito de Rui Moreira na ACP.

Botelho, recorde-se, sucedeu-lhe no cargo quando este saiu para se candidatar ao município, tendo sido, inclusive, director de campanha do independente em 2013. Durante anos, mostrou-se alinhado com as opções de desenvolvimento da cidade levadas a cabo por Moreira, mas pessoas próximas de ambos dão conta de um afastamento entre os dois, em tempos mais recentes.

Nem o município nem Nuno Botelho - que o PÚBLICO contactou num caso, e tentou contactar, no outro - se mostraram disponíveis para adiantar mais explicações sobre este conflito de posições.

O dirigente associativo deplora as referências de Valente a uma eventual municipalização do Palácio da Bolsa, em caso de penúria da instituição. A ACP, insiste, “é dona de voz própria, livre e independente. Detém total autonomia económica e financeira. Não depende do Estado nem da câmara. Depende apenas e só da vontade dos seus associados. Muitos tentaram calar a Associação Comercial do Porto. Em duzentos anos, ninguém conseguiu”.

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