Para constitucionalistas só a dissolução do Parlamento permite eleições em Maio ou Junho

A questão foi levantada pelo Presidente da República para que orçamentos de Estado entrem em vigor sempre em Janeiro e termine o regime de duodécimos.

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Proposta de Marcelo só com a dissolução do Parlamento Nuno Ferreira Santos

Eleições legislativas em Maio ou Junho, como sugerido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, implicariam a dissolução do Parlamento, dentro do quadro da actual Constituição, segundo referem constitucionalistas contactados pela Lusa.

Nesta segunda-feira, Marcelo sugeriu aos partidos que ponderem uma alteração da lei para que as eleições legislativas se realizem normalmente em Maio ou Junho, para evitar atrasos na entrada em vigor do Orçamento do Estado. “Um dia mais tarde os partidos terão de pensar nisso. Não sei se é preciso mudar a Constituição, se é preciso só mudar a lei”, observou o Presidente, assinalando que, actualmente, “de cada vez que há eleições em Outubro, fica-se durante seis meses, pelo menos, sem um Orçamento e a funcionar com duodécimos do ano anterior”.

E exemplificou: “Com eleições em Outubro, nunca haverá Orçamento antes de Fevereiro, Março. Há quatro anos foi em final de Março, não sei se chegou a ser em Abril, e o decreto-lei de execução orçamental entra em vigor três meses depois. Portanto, não é possível executar o Orçamento praticamente até dois terços do ano, ou mais de metade do ano”.

Jorge Miranda, um dos “pais” da Constituição, sublinhou que o Presidente da República tem competência para convocar eleições, mas que “a legislatura tem quatro anos” e que, a haver uma antecipação para Maio ou Junho, só com a dissolução do Parlamento prevista na lei.

A ser antecipadas e sem alterações à Constituição, as eleições para uma nova legislatura teriam que cumprir a Lei Eleitoral em vigor, ou seja, seriam realizadas entre dia 14 de Setembro e o dia 14 de Outubro. “Em vez de ser o primeiro domingo de Outubro, teria que ser o último domingo de Setembro, agora antecipar para Maio isso não é possível”, acrescentou Jorge Miranda. O artigo 174º da Constituição Portuguesa estabelece ainda que a sessão legislativa “tem a duração de um ano e inicia-se a 15 de Setembro”.

Em ano eleitoral, lembrou o constitucionalista José Vieira de Andrade, a sessão legislativa é sempre mais curta e com eleições a Outubro, iniciando trabalhos “em função da data eleitoral”, já depois do dia estabelecido pela Constituição. Vieira de Andrade defendeu que o “fundamental” seria alterar a Lei Eleitoral e que se o período eleitoral fosse antecipado “o suficiente”, conseguir-se-ia iniciar a sessão legislativa a dia 15 de Setembro, como dita a Constituição.

Necessidade de consenso

O constitucionalista Paulo Otero notou que apesar de o Presidente da República ter sempre o poder de dissolução da Assembleia da República, esta decisão pode debilitar a sua posição caso a “maioria dos partidos ou um número significativo” for contra a vontade do chefe de Estado.

Paulo Otero defendeu, a este propósito, a importância do “consenso” do ponto de vista político e jurídico, referindo que para dissolver o Parlamento o Presidente tem que convocar os partidos políticos com representação parlamentar e o Conselho de Estado.

O Presidente só estaria impedido dissolver a Assembleia da República nos últimos seis meses do seu mandato e nos primeiros seis meses após a eleição da Assembleia da República, sublinhou este constitucionalista. O artigo 173º da Constituição diz que “a Assembleia da República reúne por direito próprio no terceiro dia posterior ao apuramento dos resultados gerais das eleições”, havendo ainda um prazo de dez dias para a apresentação do programa do Governo, submetido à apreciação da Assembleia.

Entre a formação do Governo, a aprovação do Orçamento do Estado e a sua entrada em vigor, o período médio em legislaturas anteriores tem sido de cerca de seis meses. Dentro do quadro legislativo actual, cumprindo a Constituição e a Lei Eleitoral, mesmo com a antecipação das eleições para Setembro, o Orçamento do Estado não entraria em vigor em Janeiro do ano seguinte, tal como sugerido pelo Presidente.

Alguns partidos políticos já reagiram ao desafio de Marcelo Rebelo de Sousa, com o PS e o PSD receptivos à sugestão e o PCP a manifestar-se contra precisamente por não querer uma revisão da Lei Fundamental.

Os socialistas consideram que a realização de eleições legislativas em Maio ou Junho, em vez do período compreendido entre Setembro e Outubro, apresenta “muitas vantagens” para o país, permitindo uma preparação atempada do primeiro orçamento da legislatura.

Também o PSD manifestou disponibilidade para “fazer uma reflexão” sobre uma eventual alteração ao calendário das legislativas, mas quer incluir o tema numa discussão mais ampla sobre o sistema eleitoral.

Já o PCP, considerou que a sugestão do Presidente de alterar a lei para que as eleições legislativas se realizem em Maio ou Junho “não é suficientemente relevante” para se fazer uma revisão constitucional.

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