Coronavírus: Portugal pode não estar preparado para conter casos, alertam especialistas

No artigo que publicam na revista cientifica Acta Médica, peritos em saúde pública referem que esta epidemia “é um teste para nossa capacidade de enfrentar uma ameaça que se repetirá ao longo do tempo”.

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LUSA/DAVID CHANG

Um grupo de especialistas portugueses considera que Portugal pode não estar preparado para conter casos do novo coronavírus (2019-nCoV) que possam vir a surgir. E dão como exemplo um caso suspeito, que acabou por não se confirmar, que não foi logo encaminhado para um dos hospitais de referência.

Num artigo publicado na revista científica da Ordem dos Médicos, a Acta Médica Portuguesa, Raquel Duarte, da Faculdade de Medicina do Porto, Isabel Furtado, do Serviço de Infecciologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, Luís Sousa, do Departamento de Saúde Pública da ARS do Norte, e Carlos Carvalho, também desta ARS e do Instituto de Ciência Biomédicas Abel Salazar, fazem um ponto da situação sobre a epidemia que teve origem na cidade chinesa de Wuhan.

“Em Portugal, os planos de contingência foram novamente activados e novas directrizes para os serviços de saúde e aeroportos foram publicados. No entanto, é possível que ainda não estejamos preparados, mesmo para enfrentar um caso suspeito de 2019-nCoV”, apontam, referindo-se ao que está a ser feito em Portugal.

“A falta de preparação que testemunhamos lidando com um único caso suspeito (felizmente, não confirmado) deve ser usada para ajudar os cuidados de saúde e os serviços a corrigirem os seus erros e ficarem mais bem preparados”, justificam. Para estes especialistas, “essas lições deveriam ter sido aprendidas há muito tempo, após as emergências da gripe aviária H5N1, da SARS, da pandemia H1N1 [que aconteceu em 2009 e ficou conhecida inicialmente por gripe A] e do MERS-CoV”.

A 1 de Fevereiro, registou-se um caso suspeito que demorou várias horas até ser encaminhado para o Hospital de São João, no Porto, uma das unidades de referência para receber estes casos. Tratou-se de um técnico italiano que tinha estado na China e que se sentiu mal quando estava numa fábrica de calçado em Felgueiras. O dono da fábrica queixou-se de falta de informação e o técnico italiano esteve várias horas numa ambulância dos bombeiros, até ser levado para o hospital.

Em declarações prestadas ao PÚBLICO, o Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar criticou o atraso na divulgação das normas e a falta de material descartável e de desinfecção. Em conferência de imprensa, já depois deste episódio, a ministra da Saúde, Marta Temido, disse ter-se reunido com o INEM para avaliar a necessidade de reformular a informação e de ver o material disponível. O secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, acrescentou que a maioria dos meios já tem equipamento disponível, como batas e máscaras.

Teste à capacidade

Ainda no artigo da Acta Médica, os especialistas dizem que, mais do que a preocupação com os números, “devemos garantir que o país esteja pronto para conter a doença imediatamente após a sua introdução, através de uma suspeita ou um contacto aparentemente saudável”.

Sobre a questão da quarentena, medida que foi adoptada na China e em vários países no caso de pessoas repatriadas — Portugal não tem quarentena obrigatória, mas os 20 cidadãos regressados de Wuhan estão em isolamento profiláctico durante 14 dias —, referem que “importantes preocupações em torno das liberdades devem ser consideradas, mas a defesa da saúde pública deve sempre ter precedência”.

Os autores do artigo salientam que “a epidemia de 2019-nCoV também é um teste para a nossa capacidade de enfrentar uma ameaça que se repetirá ao longo do tempo”. “De cada vez, devemos aprender com os nossos erros e estar mais bem preparados do que antes”, afirmam.

Esta quarta-feira, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, revelou que a Direcção-Geral da Saúde se reuniu com as administrações regionais de saúde, autoridades de saúde, INEM, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e com a rede de laboratórios nacional para preparar uma segunda vaga de serviços para a eventualidade de uma escalada de casos. Os planos de contingência dos hospitais também estão a ser revisitados.

A directora-geral reuniu-se ainda com a Autoridade Nacional da Aviação Civil, tendo ficado definido que as companhias aéreas com voos directos da China para Portugal vão passar a distribuir a bordo folhetos com informação sobre os critérios de casos suspeitos e a indicação para ligar para o SNS24 (808 24 24 24).

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