Por uma cultura de igualdade

Com discursos rácicos se iniciaram as mais abomináveis guerras. Como de costume, voltam os velhos fantasmas, já bem presentes em todo o mundo.

Não, Portugal não é um país racista. Mas, como em todo o mundo, existem racistas, o que não faz daquele, na sua globalidade, um conjunto de tribos racistas.

Todavia, apesar do que vai atrás descrito, os racismos e as intolerâncias estão a crescer e, diga-se, vêm de todos os lados: entre racistas, qualquer que seja a cor da sua pele ou o seu credo, não existem anjos inocentes. Não podemos, não devemos, ser negacionistas, mas confundir alguns com todos mais não é do que acender um rastilho de pólvora.

Ninguém tem de provar, perante ninguém, num Estado de direito democrático, que é detentor da mesma dignidade, portador dos mesmos direitos, em função da cor da pele, do seu credo ou da sua condição económica ou social.

Nem “Portugal não é seguro para negros”, como se ouviu na Avenida da Liberdade, na manifestação ocorrida no passado sábado, nem o Estado de direito pode utilizar meios de segurança de forma desproporcional, sob pena de se criar uma sociedade de ódio e violência.

Todavia, o país — Portugal —, pese lamentáveis incidentes que infelizmente têm lugar, é, à escala global, seguro para qualquer raça ou credo, mas não está imune a que os racismos cresçam e os referidos episódios surjam.

O problema é que a multiplicação de situações inadmissíveis em democracia, com provocações gratuitas oriundas de vários quadrantes antagónicos, pode contribuir para o aparecimento — aí sim — de uma cultura de confronto rácico. Sobretudo se existirem arautos que dêem voz ao referido aparecimento.

Se Portugal não é um país xenófobo, pode bem vir a sê-lo. É bom não gritar ao lobo, venham os gritos de que lado vierem, porque ele acabará por vir. O racismo não está no ADN da esmagadora maioria dos portugueses, mas não se pode escamotear que, se for induzido, muitos podem ver esse ADN alterado.

E quando todos aqueles que lutam por uma igualdade substantiva (entre os quais se inclui a signatária que, não raro, participa em iniciativas anti-racismo, como muitos dos que desfilaram na Avenida da Liberdade bem sabem) se encontrarem em minoria, teremos não só o risco de uma espécie de “guerra civil” entre comunidades, que originaria clivagens difíceis de curar, como teremos uma sociedade empobrecida, porque empobrecida fica a riqueza da diversidade.

Com discursos rácicos se iniciaram as mais abomináveis guerras. Como de costume, voltam os velhos fantasmas, já bem presentes em todo o mundo.

Seria bom que, numa postura exemplar, o Parlamento português não se transformasse num triste amplificador de ideias racistas, aproveitando o que há de mais mesquinho no ser humano. Venham de onde vierem.

Aí teremos um sério problema e a vergonha... só que a vergonha, em regra, vem muito tarde e a muitos já de nada serve.

Algo para o Bloco de Esquerda, o Chega e a senhora deputada Joacine Moreira reflectirem, para que não sejam eles próprios factores de exclusão.

Não resisto a citar Giovanni Papini, em Juízo Universal: “Todos iguais, excepto no fardo da infelicidade e na soma dos pecados. Da antiga residência tudo foi dissipado e consumido, menos a memória das vossas misérias e das vossas culpas. Agora tudo se consumou: os vossos pensamentos e os vossos actos não podem ser cancelados ou encobertos.”

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