Morreu Daniel arap Moi, o homem que governou o Quénia durante 24 anos

A sua era ficou marcada pela perseguição aos seus adversários políticos, mas também pelo início da democratização no Quénia.

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Arap Moi saiu do poder em 2002, quando atingiu o limite de mandatos Juda Ngwenya/Reuters

Morreu o antigo Presidente queniano Daniel arap Moi, aos 95 anos, que governou o país entre 1978 e 2002. Deixa um legado de autoritarismo e estagnação económica, mas há quem também o recorde como um garante da estabilidade num contexto adverso.

Moi estava internado num hospital privado em Nairóbi e já sofria de complicações clínicas há vários meses. O Presidente queniano, Uhuru Kenyatta, lamentou a morte do antigo chefe de Estado, que descreveu como alguém que “passou quase a totalidade da sua vida adulta a servir o Quénia e África”. “A nossa nação e o nosso continente foram muito abençoados pela dedicação e pelo serviço do falecido Presidente”, declarou Kenyatta.

Nascido a 2 de Setembro de 1924 numa família de agricultores, Moi tornou-se um aliado de Jomo Kenyatta, pai do actual Presidente e activista anticolonial, que se tornou o primeiro Presidente do Quénia após a independência, em 1963. Moi começou como ministro, mas em 1967 foi promovido a vice-presidente. A morte de Kenyatta, em 1978, catapultou-o para a chefia do Estado.

Moi só viria a abandonar o poder em 2002, quando já tinha atingido o limite de mandatos fixado pela Constituição. Uma tentativa de golpe de Estado em 1982 é vista como um ponto de viragem a partir do qual Moi aumentou a repressão contra os seus rivais políticos, chegando até a exonerar toda a Força Aérea, que esteve por trás da operação.

O regime passou a perseguir estudantes, activistas e qualquer crítico. Acredita-se que milhares de pessoas foram torturadas durante as duas décadas em que Moi esteve no poder. Sobreviventes descrevem prisões secretas, como a cave da Nyayo House, um edifício governamental em Nairóbi, onde eram torturados e privados de água e comida durante dias a fio.

Um dos episódios mais sangrentos dos anos de Moi no poder foi o massacre de Wagalla, quando milhares de homens e rapazes de etnia somali foram mortos pelo Exército.

Depois de abandonar a presidência, Moi nunca colaborou com as investigações da Comissão de Verdade, Justiça e Reconciliação, criada em 2008, nem sequer reconheceu os abusos cometidos durante a sua governação. “Obviamente que não derramo lágrimas por ele”, disse à Reuters o activista Mugo Theuri, que editou um livro que junta vários testemunhos de vítimas de tortura.

A época de Moi é também recordada pela estagnação económica do Quénia, pelo empobrecimento da população e por vários escândalos de corrupção. Instalou-se uma cultura de favorecimento e apadrinhamento dos líderes regionais e tribais que melhor promovessem os interesses do partido único, a KANU.

Ainda assim, alguns observadores notam que com Moi o Quénia se manteve estável e evitou conflitos internos, ao contrário da maioria dos seus vizinhos — e esse era um aspecto constantemente recordado pelo regime. Em 1991, Moi permitiu que outros partidos passassem a disputar eleições e viabilizou uma transferência pacífica do poder, em 2002, apesar de o seu candidato favorito, Uhuru Kenyatta, não ter vencido. Acabaria por chegar ao poder em 2013.

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