Coronavírus: idosos e pessoas com doenças preexistentes são mais vulneráveis?

De acordo com o mais recente balanço das autoridades de Pequim, o novo coronavírus já infectou mais de 20 mil pessoas e matou 427, com a maioria dos casos diagnosticados a ocorrer na província de Hubei, onde o surto começou.

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Aly Song/REUTERS

À medida que as autoridades de saúde e cientistas correm contra o relógio para dar resposta às muitas questões que permanecem sobre o surto do novo coronavírus (2019-nCoV), o número de mortos e afectados tem vindo a aumentar não só na China mas em todo o mundo.

De acordo com os dados até agora divulgados, as vítimas mortais são na maior parte idosas, muitas das quais com problemas de saúde preexistentes. No entanto, há também excepções à regra. Segundo as informações reveladas pelas autoridades chinesas, citadas pelo jornal Guardian, pelo menos cinco pessoas que morreram devido ao novo coronavírus tinham menos de 60 anos e nenhuma doença anterior. Estas vítimas tinham 36, 50, 53, 55 e 58 anos. O que significa que ainda há muito por descobrir sobre a natureza e o impacto do novo coronavírus nos humanos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lembra, na informação disponibilizada no seu site, que ainda que seja necessário aprender mais sobre a forma como este coronavírus afecta as pessoas, até agora “as pessoas mais velhas e pessoas com problemas médicos preexistentes [como asma, diabetes e problemas de coração] parecem ser mais vulneráveis” ao desenvolvimento de doenças graves após a infecção pelo vírus. Não obstante, a OMS ressalva que “pessoas de todas as idades podem ser infectadas pelo novo coronavírus” e apela à adopção de medidas de protecção.

A taxa de mortalidade da epidemia, que teve origem em Wuhan, na província chinesa de Hubei, situa-se actualmente à volta dos 2% (bastante abaixo da taxa de mortalidade do surto de SARS, a síndrome respiratória aguda grave que surgiu na China, em 2003) e poderá até vir a baixar, à medida que aumenta o conhecimento sobre o novo vírus e as autoridades de saúde pública adoptam medidas de segurança mais apertadas. Segundo Antonia Ho, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Glasgow (Escócia), no início de um surto a atenção tende a desviar-se para os casos mais graves, aqueles que são detectados primeiro e que precisam de tratamento urgente. “Mas, conforme a vigilância melhora, passam a ser detectados casos menos graves, que têm maior probabilidade de sobrevivência”, afirma citada pelo Guardian.

A especialista sublinha que não será possível calcular a taxa de mortalidade com precisão até serem realizados estudos populacionais abrangentes e até se analisarem os casos de pessoas que foram afectadas, mas não tiveram sintomas (ou que tiveram apenas sintomas ligeiros). Por isso, importa agora perceber quais as pessoas que são mais susceptíveis a desenvolver problemas de saúde graves, como pneumonia, após a infecção pelo novo coronavírus, e criar mecanismos para identificar os casos que precisam de assistência médica mais imediata — tendo também em conta o período de incubação, que pode durar até 14 dias, durante o qual o novo coronavírus é contagioso.

Homens mais velhos e com outras doenças

Apesar de já terem sido detectadas infecções em crianças com até dois anos, a grande maioria dos afectados é idosa. A 23 de Janeiro, o jornal New York Times noticiava que, das primeiras 17 vítimas mortais do novo coronavírus, 13 eram homens e quatro mulheres, e que a vítima mais nova era uma mulher com 48 anos, que morreu mais de um mês depois de aparecerem os primeiros sintomas. As vítimas mais velhas eram, por sua vez, dois homens de 89 anos. Muitas das vítimas mortais tinham doenças como cirrose, hipertensão, diabetes e Parkinson. À data, Ian Lipkin, epidemiologista da Universidade de Columbia (EUA), explicava ao New York Times que “a maioria dos casos mortais ocorre em pessoas idosas e/ou com doenças crónicas que aumentam a sua susceptibilidade a doenças infecciosas”.

Um estudo publicado pela revista científica Lancet analisou, por sua vez, os casos de 99 pacientes (67 homens e 32 mulheres) diagnosticados com o 2019-nCoV em Wuhan, entre 1 e 20 de Janeiro. A idade média dos pacientes era de 55,5 anos e mais de 50% apresentavam doenças crónicas (incluindo problemas cardiovasculares e cerebrovasculares, doenças do sistema endócrino ou do aparelho digestivo, assim como problemas respiratórios e do sistema nervoso ou antecedentes de tabagismo). Cerca de 11% dos doentes analisados piorou num curto período de tempo, acabando por morrer, com os autores a concluírem que a probabilidade de infecção pelo novo coronavírus é maior em homens mais velhos e com outras doenças e que uma maior imunidade das mulheres poderá estar relacionada com os cromossomas X e as hormonas sexuais.

Já o jornal The Observer compilou uma lista de 47 vítimas do novo coronavírus, de acordo com dados providenciados pelas autoridades de várias províncias chinesas (incluindo Hubei, onde o vírus surgiu) até 29 de Janeiro. As informações reafirmam que muitas das vítimas sofriam já de doenças como diabetes, problemas cardíacos e bronquite crónica. Porém, os especialistas continuam sem uma explicação para as “excepções”, ou seja, as vítimas mais jovens e sem problemas anteriores, levantando-se uma questão: poderão as pessoas de meia-idade e saudáveis ser também vulneráveis a esta doença?

Para David Heymann, professor na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, a vítima mortal mais jovem, com 36 anos e sem qualquer doença anterior, permanece um “enigma”, não se sabendo ainda a razão pela qual esta pessoa se tornou vulnerável ao vírus, explicou à revista Time. O que leva os cientistas a equacionarem a possibilidade de certas predisposições genéticas poderem ter também um papel na susceptibilidade dos doentes para sucumbirem ao vírus.

Três hipóteses

Mesmo depois de o novo coronavírus estar sob controlo (algo que não se sabe quando poderá acontecer), a epidemia poderá continuar a propagar-se durante semanas, e os cientistas notam que o pouco que já se sabe sobre o vírus não é ainda suficiente para estimar como esta doença poderá ser erradicada.

Além disso, os vírus podem sofrer mutações e adoptar variantes, podendo também tornar-se menos agressivos. O que não é necessariamente “uma boa notícia em termos epidémicos”, uma vez que se pode passar a transmitir mais facilmente, nota à BBC Brasil Eduardo Sprinz, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Brasil).

Os especialistas ouvidos pela BBC Brasil explicam que existem três formas de pôr fim a este vírus. Segundo Sprinz, uma epidemia pode, em primeiro lugar, “dizimar toda uma população”, o que significaria que o próprio vírus seria também dizimado.

Outra opção passa pela tomada das medidas necessárias, por parte das autoridades de saúde pública, para evitar o contacto entre os doentes infectados e a população saudável (evitando-se novos contágios). “Foi o que aconteceu com o vírus da SARS, que foi contido com medidas de bloqueio da transmissão e simplesmente desapareceu”, refere Alberto Chebabo, director do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Rio de Janeiro.

Por fim, o surto poderá ser contido através de um processo de imunização do portador, sendo que quanto maior é a propagação do vírus, mais pessoas adquirem anticorpos e se tornam imunes — tal como aconteceu, nota Chebabo, com o vírus H1N1 —, sendo este, porém, um “processo lento e gradual, que pode durar meses ou anos”.

Os especialistas concordam que a forma mais eficiente de erradicar uma doença continua a ser através de uma vacina. Contudo, o seu desenvolvimento envolve um processo longo, com várias fases, de forma a garantir a sua segurança e eficácia. Até lá, é essencial que as pessoas adoptem medidas de protecção e que as autoridades de saúde pública vigiem a disseminação do novo coronavírus, ao passo que investigadores em todo o mundo procuram conhecê-lo melhor.

De acordo com o mais recente balanço das autoridades de Pequim, o novo coronavírus já infectou mais de 20 mil pessoas e matou 427, sendo que a maioria dos casos diagnosticados e a quase totalidade de mortes (à excepção de uma) ocorreram na China, sobretudo na província de Hubei.

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