Também isto irá passar

Poderia assegurar-vos, neste instante, com toda a certeza, que jamais serei rica.

Há uns anos visitei o Museu de Karen Blixen (1885-1962), em Rungstedlund, na Dinamarca. É uma bela casa de campo, onde a escritora nasceu e viveu depois de regressar de África. Uma pedra tumular simples, sob a sombra de uma grande árvore do bosque que rodeia a habitação, marca o local onde foi enterrada.

Para lá chegar, apanhamos um comboio em Copenhaga e saímos numa estação não muito longe da propriedade, mas à distância suficiente para haver um autocarro a fazer a ligação entre os dois locais. Também era possível caminhar da estação até à casa, pela estrada ou pelo meio do bosque. Escolhemos a última hipótese. Era Verão, estava calor, e o bosque era muito bonito. Tão bonito como a casa, com as suas divisões mobiladas e as cortinas de renda que não terminavam ao chegar ao chão, mas se estendiam pelo soalho por vários centímetros.

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Casa de Karen Blixen Ole Jensen/Getty Images

E, depois, havia a loja e o café. E na loja havia várias pulseiras com a inscrição “This, too, will pass” (Também isto irá passar). Estive com elas na mão e pensei em comprar uma. Se eu fosse uma pessoa que usa pulseiras com inscrições, provavelmente tê-lo-ia feito. Porque aquela frase pareceu-me ser a expressão perfeita para ser uma companheira de vida.

Convenci-me que a conhecia do filme África Minha (1985, de Sydney Pollack), baseado na obra da autora sobre o tempo que viveu no Quénia, e sem qualquer esforço era capaz de ver Meryl Streep a proferi-la. Acho que é só a minha imaginação. Não fui rever o filme entretanto, mas não encontro qualquer referência à frase ligada a esta obra, embora, segundo a própria Blixen terá contado, uma versão deste velho ditado persa lhe tenha chegado às mãos num bilhete de despedida de um seu criado africano, Kamante.

Segundo a história, no momento em que Karen Blixen se despediu da sua vida africana, recebeu de Kamante um bilhete, com a indicação de o ler no momento mais feliz ou mais triste da sua vida. Ela fê-lo depois de ser homenageada nos Estados Unidos, quando acabara de ser catapultada para a fama, descobrindo a frase: “Lembra-te, não vai durar”.

A história acabou por aparecer, com outra roupagem, na obra póstuma de 1979 Daguerreotypes and Other Essays, na versão inglesa, num capítulo sobre os lemas que acompanharam a sua vida. “Neste anel fiz uma inscrição que a querida majestade poderá achar útil. É para ser lida em tempos de perigo, dúvida e derrota. É para ser lida, também, em tempos de conquista, triunfo e glória. A inscrição no anel era: ‘Também isto irá passar’.”

No museu continua ali, gravada não num anel, mas nas pulseiras. Já passaram alguns anos mas não voltei a esquecer-me daquela frase e, por diversas vezes, formula-a na minha cabeça. Quando me sinto pior. Ou quando me sinto melhor.

Porque nada é permanente e à medida que os anos passam, isso torna-se cada vez mais evidente. Aquela sensação tão típica da adolescência de que tudo o que acontece tem uma importância desmedida e vai afectar-nos para sempre, para o bem e para o mal, tende a desvanecer-se (felizmente). E, por muito que achemos que nos vamos conhecendo melhor, também aprendemos que a vida é sempre capaz de nos surpreender. São portas que tínhamos fechado e que se abrem de rompante; pessoas que achamos que irão acompanhar-nos para sempre e desaparecem das nossas vidas de um momento para o outro; forças que desconhecíamos ter e que estão ali quando precisamos delas; certezas que, afinal, se desmoronam num mar de dúvidas.

Por exemplo: com a experiência das décadas que já vão compondo aquilo que é a minha vida eu poderia assegurar-vos, neste instante, com toda a certeza, que jamais serei rica, por uma série de razões que vão da quase ausência de ambição à incapacidade de sacrificar fazer o que gosto em troca de outras empreitadas que me aumentassem os rendimentos. Mas, quem me diz que naquela única vez do ano em que jogo no Euromilhões não me vai sair o primeiro prémio? E também poderia dizer que um dos pilares mais importantes da minha vida são os meus amigos e que faço os possíveis para estar presente nos bons e maus momentos, nunca os abandonando. Mas quem pode dizer que nunca magoou um amigo, mesmo que inconscientemente? Há muitos poucos “nunca” e, provavelmente, ainda menos “para sempre”.

E isto não é mau, muito pelo contrário. Não nos esquecermos de que “também isto irá passar” quando atravessamos tempos particularmente turbulentos é uma forma de nos agarrarmos à esperança de que o que nos ensombra, um dia, vai acabar. E lembrarmo-nos de que “também isto irá passar” nos momentos de maior felicidade é uma boa forma de aproveitarmos esses instantes com mais intensidade, conscientes de que aquele momento é irrepetível e que, sim, pode ser o último do género. Nada como aproveitá-lo ao máximo. Aproveitem-no.

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