Manifestantes recusam novo primeiro-ministro iraquiano e prometem aumentar pressão

O Presidente iraquiano nomeou Mohammed Tawfiq Allawi para formar Governo. Manifestantes dizem que novo governante faz parte do sistema político que querem derrubar e prometem aumentar a pressão se as suas reivindicações não forem aceites.

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Manifestantes iraquianos protestam contra Allawi Abdullah Dhiaa al-Deen/REUTERS

Mohammed Tawfiq Allawi foi nomeado primeiro-ministro do Iraque pelo Presidente, mas os manifestantes que há meses ocupam as ruas iraquianas já o rejeitaram, acusando-o de fazer parte do sistema político que querem derrubar. Os que protestam prometem aumentar a pressão se as suas reivindicações não forem cumpridas.

Depois de dois meses de impasse, o Presidente iraquiano, Barham Salih, nomeou este sábado o antigo ministro das Comunicações do Governo de Nouri Al-Maliki, Mohammed Tawfiq Allawi, de 65 anos, para formar Governo até serem convocadas novas eleições. E, mal se soube da nomeação, centenas de manifestantes acorreram à Praça Tahrir, no centro de Bagdad, para gritarem palavras de ordem contra ele. “Mohammed Allawi é rejeitado”, ouviu-se no local onde os protestos começaram.

“O sentimento geral é que Allawi veste as mesmas roupas dos políticos no poder”, disse à Al-Jazeera o manifestante Mohammed Aqeel. “Pertence ao sistema político que não queremos”.

Um sentimento que os manifestantes da cidade de Nassíria, no sul, não deixaram de expressar. “Ele é o candidato de compromisso e pertence ao sistema político sectário de divisão de poder contra o qual protestamos. A nossa resposta será escalar a situação”, prometeram em comunicado, citado pelo canal árabe.

A primeira prioridade de Allawi será escolher os membros do seu Governo e vê-los aprovados pelo Parlamento. Tem um mês para o fazer. “Agora que foi nomeado, podemos esperar muitas negociações para a formação do executivo. Será um teste à independência de Allawi e o apoio que os seus nomeados terão dos partidos no Parlamento”, explicou à Al-Jazeera Sajaz Jiyad, director do Bayan Centre, um think-tank com sede em Bagdad.

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"As revoluções nunca voltam atrás", diz o cartaz MURTAJA LATEEF/EPA

Desde 1 de Outubro que milhares de iraquianos saem à rua em protesto contra o sistema político que acusam de promover a corrupção e de transformar o Iraque num campo da batalha de influência entre o Irão e os Estados Unidos. Um sistema político, dizem os manifestantes, baseado na partilha de poder entre as várias facções étnico-religiosas, em que a classe política está mais preocupada em enriquecer do que em satisfazer as necessidades básicas do seu povo, como acesso a água potável e electricidade e criação de emprego.

A resposta do Governo do primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi, que em Novembro acabou por se demitir, foi, a par e passo com promessas, a repressão e ordens de recolher obrigatório, impostas com apoio de milícias pró-Irão. As milícias atacaram locais de protesto na esperança de, assim, instalar o medo nos manifestantes. Houve mais de 500 mortos, muitos dos quais vítimas de atiradores furtivos em prédios e de ataques surpresa com veículos.

Porém, os protestos não perderam força. A situação nas ruas tornou-se tão insustentável que as várias facções não conseguiam chegar a um consenso sobre quem deveria substituir Mahdi até novas eleições serem convocadas. Desde a invasão dos Estados Unidos, em 2003 e que depôs o ditador Saddam Hussein, que as grandes decisões requerem o consenso entre as várias facções étnicas iraquianas, diz o Washington Post, a que se junta a autorização do Irão. O poderoso líder xiita Moqtada al-Sadr, actua como fiel da balança, pois tem o maior grupo parlamentar e, além disso, controla milícias armadas. 

Ultimato presidencial

Com o impasse a arrastar-se e as negociações para um novo entendimento da presença dos militares dos EUA a ter de ser negociado (o pedido de retirada dos EUA do país foi feito por um Governo demissionário), o Presidente iraquiano viu-se obrigado a fazer um ultimato: ou o órgão legislativo avançava com um nome ou ele próprio escolheria um substituto. Foi mais uma forma de pressão do que uma ameaça praticável, uma vez que qualquer líder de Governo teria de ter o apoio parlamentar necessário. Mas foi o suficiente para desbloquear a situação política.

Algumas das facções políticas no Parlamento não queriam alinhar com Allawi, mas o apoio de Sadr foi o grande desbloqueador. “Este é um bom passo para o futuro”, disse Sadr no Twitter. “Espero que o povo tenha paciência e continue no caminho dos protestos pacíficos”.

E este domingo, o líder xiita, que tanto tem alinhado com os manifestantes como com as milícias pró-Irão que os manifestantes rejeitam (já atacaram consulados iranianos), ordenou aos seus apoiantes, denominados “ratos azuis”, que levantassem as barricadas erigidas em ruas e estradas iraquianas e que cooperassem com as autoridades no retorno à normalidade.

Mas Sadr apenas tem influência numa fracção dos manifestantes e, para controlar os restantes, aconselhou a força. “Aconselho as forças de segurança a travarem quem tentar cortar estradas e o Ministério da Educação deve punir quem as obstruir durante as horas laborais, sejam estudantes, professores ou outros”, disse o líder religioso.

Responder às aspirações

Dar resposta às aspirações dos manifestantes será um dos grandes desafios do novo primeiro-ministro e, mal foi nomeado, Allawi publicou um vídeo a pedir-lhes para continuarem a protestar. “Sem os vossos sacrifícios e coragem, não haveria mudança neste país”, disse, citado pela BBC. “Acredito em vós e, por esta razão, peço-vos que continuem a protestar”.

Allawi dá sinais de querer que os protestos continuem para que tenha margem de manobra para obrigar quem o apoia no Parlamento a fazer cedências para poder governar. E, para isso, tenta conquistar os manifestantes para o seu lado, fazendo-lhes promessas: levar os responsáveis pela repressão à Justiça, uma promessa já ouvida pelos manifestantes no passado recente e sem efeitos práticos

“O meu poder vem de vós. Prometo-vos que o sangue dos manifestantes e das nossas forças de segurança não será em vão. Os agressores e criminosos serão responsabilizados e levados à Justiça”, disse Allawi, desta vez numa declaração televisiva ao início da noite de sábado.

Mahdi também prometeu dar resposta às reivindicações de quem protestava e levar os responsáveis pelas mortes à Justiça, mas, à medida que as semanas foram passando, até culminarem na sua demissão, pouco foi feito. Uma falta de resposta que se deveu ao complexo xadrez político em que o antigo governante se movimentava: dar resposta aos manifestantes sem perder o apoio de quem o sustentava no poder: Sadr e as milícias pró-Irão.

Allawi tem exactamente o mesmo apoio político, daí precisar das rua e apelar a que os protestos continuem. “Vai provavelmente enfrentar as mesmas limitações que Adel Abdul Mahdi”, disse à Al-Jazeera o analista político Sarmad al-Bayati.

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