Todos no planeta (afinal) temos um pouco de neandertal

Pela primeira vez, conseguiu-se observar de forma consistente ADN neandertal em populações africanas.

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De acordo com um novo estudo, os africanos actuais têm cerca de 0,3% de ADN neandertal Matilda Luk/Universidade de Princeton

Quem somos? E que passado carregamos? Estas questões estão constantemente a ser feitas quando se estuda o ADN humano. Desta vez, ao usarem um novo método computacional para detectar ancestralidade neandertal no genoma de humanos modernos (a nossa espécie), uma equipa de cientistas dos Estados Unidos observou pela primeira vez, de forma robusta, que os africanos têm ancestralidade neandertal no seu ADN. Também se verificou que os europeus e os asiáticos têm níveis de ancestralidade neandertal mais parecidos entre si do que aquilo que se julgava.

Antes de mais, façamos as apresentações. Os neandertais são um grupo de humanos que surgiu há cerca de 400 mil anos na Europa e no Médio Oriente e se extinguiu há 28 mil anos, na Península Ibérica. Em 2010, depois de uma sequenciação com grande qualidade do genoma de osso de uma mulher neandertal, percebeu-se que as populações actuais de humanos modernos de origem não africana tinham entre 1% e 4% de ADN neandertal.

Em 2017, depois de a sequenciação de grande qualidade a um segundo genoma neandertal actualizaram-se essas percentagens: no geral, entre 1,8% e 2,6% do ADN de populações não africanas têm ancestralidade daquele grupo de humanos extintos. Indo mais ao pormenor, sugeria-se que os humanos modernos do Leste asiático tinham cerca de 20% mais ancestralidade neandertal do que as populações europeias.

“A percentagem de ADN neandertal nos humanos modernos é zero ou quase zero nas pessoas das populações africanas”, assinala-se no site dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. Num comunicado sobre o trabalho publicado na última edição da revista Cell, também se assinala que a investigação à ancestralidade neandertal nas populações africanas não tem sido muito investigada devido a “dificuldades técnicas” e à “hipótese de que os neandertais e as populações africanas mais ancestrais estavam geograficamente isoladas”.

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Os africanos actuais têm cerca de 17 megabases de ADN neandertal Matilda Luk/Universidade de Princeton

Através de um novo método computacional (o IBDmix), a equipa analisou o ADN de 2504 indivíduos actuais de diferentes locais do planeta. Para que se pudesse identificar as sequências de neandertal nesses indivíduos, usou-se como referência um genoma de um neandertal dos Montes Altai, na Rússia.

Pela primeira vez, identificou-se de forma robusta ancestralidade neandertal em indivíduos de populações africanas. Em média, encontraram-se 17 megabases (unidade de comprimento para fragmentos de ADN, em que cada megabase equivale a um milhão de nucleótidos) de ADN neandertal.  Isto significa que, em média, os africanos têm 0,3% de ancestralidade neandertal no seu ADN.

“Esta é a primeira vez que conseguimos de facto detectar o sinal de ancestralidade neandertal em africanos”, reage Lu Chen, investigadora da Universidade de Princeton (nos Estados Unidos) e uma das autoras do artigo. “E [os resultados] mostram surpreendentemente um valor mais elevado do que aquele que prevíamos.”

Já Janet Kelso, bióloga computacional do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva (na Alemanha) e que não fez parte do estudo, esclareceu à revista The Scientist: “Sempre soubemos que havia algum ADN neandertal nos africanos. O que é surpreendente aqui é a quantidade encontrada. Esta é, aliás, uma proporção maior do que se tinha imaginado.”

Mas, se os neandertais só viveram na Europa e no Médio Oriente, como terá isto acontecido? De acordo com a equipa, essa ancestralidade terá sido transmitida às populações africanas através de migrações feitas por europeus ancestrais para África. 

Europeus e asiáticos  

Durante o estudo, concluiu-se ainda que mais de 94% do ADN neandertal dos indivíduos africanos agora estudados era partilhado com os indivíduos não africanos. Os europeus tinham 51 megabases de ADN neandertal por indivíduo, as pessoas do Leste asiático tinham 55 megabases, tal como as do Sul da Ásia. Verificou-se também que os indivíduos do Leste asiático tinham apenas mais de 8% de ancestralidade neandertal do que os europeus – em vez de 20% como se pensava até agora.

“O nosso estudo é relevante porque nos dá novos conhecimentos importantes sobre a história humana e sobre os padrões da ancestralidade neandertal a nível global e em diferentes populações”, considera Joshua Akey, cientista também da Universidade de Princeton e líder do estudo. “Os nossos resultados melhoram os catálogos das regiões genómicas e demonstram que sobreviveram vestígios de genomas de neandertais em todas as populações humanas modernas estudadas até à data.”

A equipa refere que ainda há muito a melhorar no método computacional utilizado, mas no futuro pretende analisar mais populações africanas e estudar as implicações do ADN neandertal na saúde dos humanos modernos.

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