A previsibilidade na imprevisibilidade dos EUA hoje

Nada será igual depois deste processo de impeachment. Qualquer que seja o seu desfecho. Trump sabe-o, desespera, outros a oriente com ele, e o Ocidente agradece.

Compreensivelmente poucos parecem ter levado a sério a proposta do “deal of the century” apresentada pelo Presidente americano e israelita, Netanyahu, para o Médio Oriente. A mesma proposta que o genro de Trump, Jared Kushner, tentou defender numa curta e penosa entrevista, expondo inadvertidamente todas as fragilidades conhecidas do Presidente, mas também a de pessoas que pertencem ao seu círculo próximo e o aconselham como ele.

No mesmo dia em que o Presidente israelita se viu envolvido num caso de corrupção, com eleições em março, e em que se entrou numa fase surpreendentemente complicada do processo de impeachment para o Presidente americano, eis que ele surgiu, uma vez mais, aos olhos do mundo como um vendedor de banha da cobra circense. Se as manobras geopolíticas como o assassinato do general iraniano também serviram para procurar desviar os olhares do processo interno, culminando numa crítica à falta de apoio previsível dos seus aliados ocidentais, estas encenações já nem merecem qualquer reação por parte destes.

Longe vão os tempos em que o facto do senado ser maioritariamente republicano e Donald Trump ter grande parte do partido consigo, se vislumbrava o processo de impeachment como uma perda de tempo para os opositores do Presidente norte-americano. Ou como algo que acabaria por reforçar o seu poder a longo prazo. Mesmo que se dê a mais que provável sobrevivência política, passando entre os pingos da chuva até à reeleição em novembro, nada será como dantes.

Trump é hoje um Presidente bastante mais fragilizado politicamente e já nem as razões da sua imprevisibilidade surpreendem quem quer que seja. É verdade que o seu eleitorado extremista tende a fanatizar-se com uma putativa absolvição no processo encetado pelos democratas, mas pode ser diferente com alguns republicanos moderados e providos de alguma réstia de bom-senso. Tal como já é a nível global e com muitos países aliados dos EUA.

Para além das reações de há quinze dias, o facto de Boris Johnson ter aprovado a operacionalidade completa da Huawei no Reino Unido, pouco depois do conselheiro de segurança de Trump, John Bolton, ter corroborado o caso a favor do impeachment, a Administração americana entrou numa onda de desespero acentuada. De tal forma grave que se tenha chegado aquela representação que nos conduz ao grau zero da política.

A própria reação de Trump às revelações de Bolton, onde não faltaram os insultos e ataques habituais a quem há bem pouco tempo era da sua total confiança, enfraquecem-no. O que já foi tornado público do livro do seu antigo conselheiro vai ao encontro da investigação e de muitas das revelações democratas. Existe no campo republicano quem tivesse considerado o testemunho de Bolton crucial para o futuro do próprio partido. Aguardemos, mas os recentes desenvolvimentos parecem indicar o contrário.

Uma coisa sabemos: por mais distrações forçadas e encenações apoteóticas, nada será igual depois deste processo. Qualquer que seja o seu desfecho. Trump sabe-o, desespera, outros a oriente com ele, e o Ocidente agradece.

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