Doentes são-tomenses em Portugal desesperam com atrasos nos apoios sociais

A maioria dos doentes está a fazer hemodiálise ou tratamentos oncológicos.

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Embaixador de São Tomé e Príncipe descreve situação como "caótica" rui Gaudencio

Os atrasos nos apoios sociais por parte de São Tomé e Príncipe estão a deixar desesperados muito dos doentes deslocados em Portugal, que se queixam de estar a falhar consultas, não conseguir comprar medicamentos e até comida.

A situação dos cerca de 2.600 doentes são-tomenses em tratamentos em Portugal, a maioria a fazer hemodiálise e em tratamentos oncológicos, foi descrita hoje à agência Lusa como “caótica” pelo embaixador de São Tomé e Príncipe, António Quintas do Espírito Santo. O diplomata, em Portugal desde Novembro, encontrou-se hoje, em Lisboa, com cerca de uma centena desses doentes para ouvir queixas, esclarecer dúvidas e procurar soluções para uma situação que se arrasta há anos.

Numa sala repleta de doentes e acompanhantes, durante quase três horas, entre queixas ao funcionamento e elogios à decisão de realizar a reunião, o diplomata escutou testemunhos como o de Joana Ferreira, uma professora de 59 anos, em Portugal para tratamentos médicos desde 2018. “Fui professora primária durante 40 anos e fiz sempre os meus descontos para a segurança social”, disse à agência Lusa Joana Ferreira, explicando que a operação à anca que a trouxe a Portugal correu mal e que aguarda exames para nova operação.

Com lágrimas de desespero no rosto, contou como ela e o filho de 25 anos, que veio como seu acompanhante, vivem “de favor” em casa de uma irmã e como todos sobrevivem com 600 euros mensais. “O meu filho não consegue trabalho porque o visto já expirou. O meu visto também expirou e o passaporte está quase a caducar e não tenho dinheiro para o renovar”, disse.

Em Setembro, recebeu pela última vez os 40 euros de subsídio de transporte atribuído pela embaixada, adiantando ter dificuldades para conseguir ir a consultas e exames por falta de dinheiro para os transportes. Por isso, veio ao encontro com o embaixador para expor a sua situação que classificou como “desesperada”.

Os testemunhos de atrasos no pagamento dos apoios sociais por parte de São Tomé e Príncipe sucederam-se na reunião, com várias histórias de medicamentos que ficaram por comprar e de tratamentos que foram interrompidos.

Há mais de cinco anos em tratamentos e depois de duas operações, Cristiano Diogo, 63 anos, militar na reserva, continua em Portugal sobre vigilância médica e a viver em casa da filha. “Há muita gente aqui a passar mal, a passar fome. São pessoas que trabalharam muito em São Tomé e Príncipe”, disse, acrescentando que “há pessoas que não conseguem ter uma refeição por dia” Cristiano Diogo diz que os doentes ficam meses sem receber o subsídio de transporte e que os atrasos nos apoios são constantes.

“As pessoas falham as consultas e os tratamentos e muitas vezes apanham multas do “pica” porque se aventuram sem passe” nos transportes, adiantou. Este doente lamentou, por outro lado, que “tantos anos depois da independência do país ninguém se tenha lembrado de construir um hospital de referência em São Tomé e Príncipe”.

O embaixador são-tomense reconhece a legitimidade das queixas e admite atrasos “consideráveis” no pagamento dos subsídios, justificando que, desde 2015, tem havido falhas na transferência para a embaixada dos fundos destinados aos apoios sociais.

“A situação agudizou-se em 2018 e 2019. Há esforços do Governo para tentar diminuir o sofrimento dos nossos doentes, mas temos de aceitar que há uma dificuldade em honrar os compromissos mensais, que ascendem a 30 mil euros apenas para o pagamento dos títulos de transporte e alguma ajuda para medicamentos”, disse. António Espírito Santo reconhece que “há casos gritantes” de falta de alojamento e até de alimentação, o que leva a que muitos doentes vejam a sua condição médica agravada.

“Tudo isto tem contribuído para que se caracterize a situação dos doentes em Portugal como caótica”, disse, adiantando que está tentar mobilizar os parceiros sociais e algum empresariado para dar algumas respostas. Defende que o ideal seria ter “um espaço para albergar os doentes quando chegam ou quando são “despejados”, às vezes das casas dos seus próprios familiares. Falta-nos um espaço para os colocar de forma transitória”, disse.

António Espírito Santo diz ter a garantia de que o primeiro-ministro está a trabalhar para encontrar uma resposta, mas sustenta que a solução tem de ser estrutural. “O país não tem recursos hoje, mas tem de pensar na construção de um hospital adaptado às novas enfermidades, ao novo contexto social e ao número de habitantes”, disse.

O diplomata defende ainda que deve ser discutido o envolvimento da Segurança Social no apoio aos doentes deslocados em Portugal, lembrando que, em muitos casos, são pessoas que contribuíram mais de 30 anos e estão em Portugal “atiradas à sua sorte”.

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