Se o Presidente fez, não é crime: estratégia da defesa de Trump abre portas à absolvição esta semana

Advogados do Presidente norte-americano defendem que uma troca de favores com vista à reeleição é normal num político. Mesmo que isso fosse provado no caso de Trump e da Ucrânia, dizem, o Congresso não teria razões para lançar o impeachment.

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Alan Deshowitz, advogado de Trump no julgamento no Senado, defendeu O.J. Simpson, Jeffrey Epstein e Harvey Weinstein Reuters/HANDOUT

Na próxima terça-feira, dia 4 de Fevereiro, quando o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se dirigir ao país a partir da Câmara dos Representantes para proferir o discurso anual sobre o Estado da Nação, é quase certo que o seu processo de destituição vai ser um dos temas em destaque, misturado com os elogios ao aumento do emprego e aos recentes acordos comerciais com a China, o México e o Canadá.

E é cada vez mais certo que o Presidente vai poder usar o seu impeachment e o julgamento no Senado como uma medalha, numa noite em que milhões de telespectadores vão estar a acompanhar o discurso em directo.

Apesar do suspense alimentado nos últimos dias com as revelações do antigo conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, o julgamento do Presidente, que está a decorrer no Senado, deve ter o seu último episódio na sexta-feira, com um final esperado desde a primeira hora: tal como os outros dois presidentes antes dele na História dos Estados Unidos, Donald Trump não vai ser condenado e vai manter-se no cargo até ao fim do mandato.

Esta quinta-feira, os senadores do Partido Democrata e do Partido Republicano, na sua qualidade de jurados, vão concluir os dois dias de perguntas às equipas de acusação e de defesa, num processo muito diferente do habitual ambiente de discussão no Senado.

Cada pergunta é escrita num papel, que é entregue ao presidente interino do Senado durante o julgamento, o juiz do Supremo John G. Roberts, para ser lida em voz alta. Depois, os defensores de um e de outro lado têm cinco minutos para responder.

Os indecisos

Na quarta-feira, surgiu o primeiro sinal de que o Partido Republicano está no bom caminho para garantir que o julgamento vai ser concluído na sexta-feira com duas votações. Uma sobre se o Senado deve, ou não, chamar mais testemunhas; e outra, final, sobre as principais questões: o Presidente dos Estados Unidos exigiu à Ucrânia que prejudicasse o seu rival político Joe Biden, do Partido Democrata, em troca do envio de 391 milhões de dólares em ajuda militar? E sabotou as investigações da Câmara dos Representantes para que essa acusação não fosse sustentada com testemunhos em primeira mão e documentos oficiais?

Na quarta-feira, ao ceder a primeira pergunta do dia a três senadores republicanos indecisos sobre se ainda precisam de ouvir testemunhas no julgamento, ou se o que viram e ouviram é suficiente para tomarem uma decisão, o líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, enviou um sinal a toda a sua bancada e à Casa Branca – o voto daqueles três senadores indecisos contra a chamada de testemunhas está quase garantido.

O que os senadores Mitt Romney, Susan Collins e Lisa Murkowski perguntaram aos advogados da Casa Branca foi como devem eles avaliar o comportamento do Presidente Trump, se se provar que os motivos que o levaram a entrar numa troca de favores com a Ucrânia foram tanto de política pessoal, como de política externa no interesse dos Estados Unidos.

Este ponto passou a ser importante para a decisão final dos senadores republicanos indecisos, depois de os advogados do Presidente Trump terem ajustado os seus argumentos de defesa às consequências das revelações desta semana no New York Times.

O jornal norte-americano teve acesso ao manuscrito de um livro a publicar em Março, da autoria de John Bolton, em que o antigo conselheiro de Segurança Nacional diz que ouviu da boca do Presidente Trump que a ajuda militar à Ucrânia ia ficar congelada até que os ucranianos obtivessem informações prejudiciais para Joe Biden.

“Todos os responsáveis públicos que eu conheço acreditam que a sua eleição é do interesse público”, argumentou, em defesa do Presidente Trump, o constitucionalista Alan Dershowitz, que foi advogado de defesa em casos famosos como os de O. J. Simpson, Jeffrey Epstein ou Harvey Weinstein.

“Se o Presidente faz algo que acredita ser benéfico para a sua eleição, no interesse público, isso não pode ser o tipo de troca de favores que é punível com o impeachment”, disse Dershowitz.

Dos três senadores em causa, Susan Collins (do Maine) é a que está na posição mais complicada. Em Novembro, Collins vai enfrentar uma corrida muito dura para a sua reeleição, e pela primeira vez em mais de 20 anos tem o seu cargo em risco.

Num estado dividido, em que um político bem-sucedido precisa dos votos de eleitores do partido adversário, o voto de Collins a favor da confirmação do juiz Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal, em 2018, enfureceu os seus apoiantes no Partido Democrata. E agora, para não perder esses eleitores definitivamente, tem de lhes mostrar, pelo menos, que está a fazer tudo para levar a sério o julgamento do Presidente Trump.

Democratas menos confiantes

Mais do que o espaço de manobra que o líder do Partido Republicano no Senado deu aos três senadores, todos eles com posições complicadas nos seus estados, foi a ausência de um quarto republicano indeciso nas perguntas feitas por esse grupo que mais preocupou o Partido Democrata.

Mesmo que Romney, Collins e Murkowski votem a favor da chamada de testemunhas, os democratas têm de puxar mais um republicano para o seu lado, para reunirem os 51 votos necessários. Uma tarefa que foi posta em causa quando o senador Lamar Alexander – o quarto elemento – ficou à margem do grupo dos indecisos no primeiro dia da fase de perguntas e respostas.

Alexander, de 79 anos, cumpre o seu último mandato como senador do Tennessee e não tem de se preocupar com uma reeleição em Novembro. Amigo próximo do líder do Partido Republicano no Senado, mas suficientemente independente do Presidente Trump para poder causar uma surpresa, Lamar Alexander estará perto de decidir votar contra a chamada de testemunhas, segundo os media norte-americanos, o que equivale a um ponto final no julgamento na sexta-feira.

“Sempre soubemos que a luta pela intimação de testemunhas e de documentos seria difícil, porque o Presidente [Trump] e Mitch McConnell puseram uma enorme pressão sobre estas pessoas”, disse na quarta-feira o senador Chuck Schumer, líder da minoria do Partido Democrata no Senado.

“É mais provável que isso aconteça? Provavelmente não”, disse Schumer num intervalo das perguntas e respostas. “Mas há boa hipótese? Sim.”

Na sexta-feira, se pelo menos 51 senadores votarem contra a chamada de testemunhas, o passo seguinte, ainda no mesmo dia, será a votação final sobre as acusações de abuso de poder e obstrução do Congresso contra o Presidente Trump.

Basta uma condenação numa das duas acusações para afastar o Presidente da Casa Branca, mas para que isso aconteça é preciso que haja uma maioria de dois terços (67 senadores em 100). O Partido Republicano está em maioria, com 53 senadores, e nenhum se mostrou disposto, até hoje, a condenar o Presidente Trump.

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