Bolton receou “favores pessoais” de Trump a líderes estrangeiros

No manuscrito de um livro a publicar em Março, o antigo conselheiro de Segurança Nacional norte-americano diz também que o procurador-geral, William Barr, partilhou as suas preocupações.

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John Bolton saiu da Casa Branca em litígio com o Presidente Donald Trump Reuters/Joshua Roberts

John Bolton, o antigo conselheiro de Segurança Nacional norte-americano que se disponibilizou para testemunhar no julgamento do Presidente Trump contra a vontade dos advogados da Casa Branca, disse que transmitiu ao procurador-geral dos Estados Unidos, William Barr, a sua preocupação de que Trump estava a fazer favores pessoais “a líderes autocráticos”, em particular a Xi Jinping e a Recep Tayip Erdogan.

O relato da conversa entre os dois responsáveis é um dos episódios contados no manuscrito do próximo livro de Bolton, a publicar em Março, e a que o New York Times teve acesso nos últimos dias.

No domingo, o jornal norte-americano noticiou que no livro (com o título The Room Where It Happened, ou “a sala onde tudo aconteceu”, numa tradução livre), John Bolton afirma que ouviu da boca do Presidente norte-americano a confirmação de que o congelamento de 391 milhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia, ordenado por Trump em 2019, teve mesmo como objectivo obter do país informações para prejudicar Joe Biden, um dos favoritos a vencer as eleições primárias deste ano no Partido Democrata.

O relato de Bolton renovou a esperança, no Partido Democrata, de que pelo menos quatro senadores do Partido Republicano votem a favor da audição do antigo conselheiro de Segurança Nacional como testemunha no julgamento em curso no Senado. Um dos principais argumentos da defesa de Trump é que não foram apresentadas provas de que Trump ligou directamente o congelamento do dinheiro à pressão sobre a Ucrânia.

Na segunda-feira, Trump negou o relato do seu antigo conselheiro de Segurança Nacional, que saiu da Casa Branca em Setembro em confronto com o Presidente sobre várias questões de política externa.

“Eu nunca disse ao John Bolton que a ajuda à Ucrânia estava ligada à abertura de investigações contra o Partido Democrata, incluindo os Biden. Na verdade, ele nunca se queixou disso aquando da sua saída [da Casa Branca]. Se o John Bolton disse mesmo isso, foi só para vender um livro”, disse Trump.

ZTE e Halkbank

Esta terça-feira, o New York Times noticia outro episódio que Bolton conta no seu livro, e que coincide com uma das principais críticas feitas ao Presidente norte-americano pelos seus críticos – a de que Trump fez favores pessoais a vários líderes estrangeiros, em particular ao Presidente da China, Xi Jinping, e ao Presidente da Turquia, Recep Tayip Erdogan.

Segundo Bolton, o procurador-geral – que tem sido um importante aliado do Presidente norte-americano desde que foi nomeado responsável pela Justiça nos Estados Unidos – partilhou a sua preocupação e deu dois exemplos: o levantamento das sanções à empresa chinesa ZTE, em 2018, e a pressão da Turquia para que o Departamento de Justiça norte-americano deixasse cair uma investigação ao banco turco Halkbank.

De acordo com o New York Times, Bolton conta no livro que William Barr “disse estar preocupado com o facto de Trump ter criado a aparência de que tinha uma influência indevida sobre o que seriam, normalmente, investigações independentes”.

Esta terça-feira, a porta-voz do Departamento de Justiça, Kerri Kupec, desmentiu a versão de John Bolton sobre a conversa com William Barr.

“Não houve nenhuma discussão sobre ‘favores pessoais’ ou ‘influência indevida’ sobre investigações, nem o procurador-geral Barr disse que as conversas do Presidente com líderes estrangeiros foram inadequadas”, disse a pota-voz.

“Se foi isso que o sr. Bolton escreveu, então parece que está a atribuir ao procurador-geral Barr as suas próprias opiniões – opiniões essas que o procurador-geral Barr não partilha”, concluiu a porta-voz.

O julgamento do Presidente Trump no Senado, por abuso de poder e obstrução do Congresso, prossegue esta terça-feira com o último dia dos argumentos da defesa.

Entre quarta e quinta-feira, haverá uma sessão de perguntas e respostas dos senadores às equipas de acusação e de defesa, num processo que não pode ultrapassar um máximo de 16 horas.

Depois disso, chegará o momento mais importante desde o início do julgamento, na semana passada. Se pelo menos quatro senadores republicanos se juntarem ao Partido Democrata numa votação para intimar novas testemunhas, como John Bolton, o julgamento poderá arrastar-se por semanas ou meses; se isso não acontecer, é provável que o processo termine na sexta-feira com uma votação final sobre as acusações – e com a esperada absolvição do Presidente Trump por falta de apoio suficiente para a necessária maioria de dois terços (67 em 100) no Senado para uma condenação.

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