Versão preliminar do PDM do Porto impede construções nos terrenos do caso Selminho

Ao contrário dos terrenos que a Selminho reclamava, as obras da Arcada, ainda embargadas, deixam de estar em “zona verde”. Quarteirão da rotunda da Boavista negociado pelo El Corte Inglés perde “área para equipamento” existente a sul da estação da Casa da Música.

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Versão preliminar do PDM não mexe na classificação da zona escarpada junto à ponte da Arrábida Nelson Garrido

A versão preliminar do novo Plano Director Municipal do Porto altera a classificação do solo em duas áreas da cidade associadas a processos urbanísticos sensíveis, mas mantém sem construções as parcelas do chamado caso Selminho. O documento que vai a votos na reunião de Câmara desta segunda-feira não é ainda definitivo, e vai ser depois apreciado, e também votado, pela Comissão de Acompanhamento, liderada pela Comissão de Coordenação da Região Norte, e na qual têm assento múltiplas entidades. O processo de revisão iniciado em 2015 tem de estar concluída até Março de 2021.

Na proposta elaborada pelos serviços municipais, na marginal do Douro, a jusante da Ponte da Arrábida, o empreendimento da Arcada, que continua embargado, deixa de estar em cima de uma zona verde, para ficar integrado numa Área de Blocos Isolados de Implantação Livre, segundo a Planta de Condicionantes revista. O mesmo documento elimina uma área de terreno para “equipamento”, junto ao terminal intermodal da Casa da Música, acrescentando uma parcela de 4200 metros quadrados de Frente Urbana Contínua ao quarteirão em que o El Corte Inglés pretende desenvolver um projecto imobiliário, incluindo um novo centro comercial.

No texto que acompanha estas alterações constantes da versão preliminar resultante de um longo processo de revisão do PDM, o município não aborda casos concretos, e não explicou, para já, o que o leva a propor estas mexidas na classificação do solo em duas áreas que têm estado sob forte escrutínio de cidadãos e da imprensa. O PÚBLICO questionou a autarquia sobre a eventual existência de outras alterações provocadas por direitos adquiridos ou disputas judiciais sobre processos de licenciamentos de obras, mas também sobre isso não obteve, sobre isso, esclarecimentos. A edilidade assinala, apenas, o carácter preliminar do documento, que vai ser discutido ao longo dos próximos meses.

Selminho, municipal e verde

Junto à ponte da Arrábida, parcelas relacionadas com duas polémicas urbanísticas tiveram destinos diferentes, na proposta de mapa de condicionantes que os vereadores votam esta segunda-feira. A montante da Ponte, os terrenos do designado caso Selminho – onde esta imobiliária detida pela família de Rui Moreira pretendia construir – mantêm a classificação de área verde, inviabilizando a pretensão de valorização imobiliária que já tinha sido posta em causa quando o tribunal determinou que uma parte do terreno pertenceria, afinal, ao domínio público do município (e não seria por isso, passível de registo por usucapião).

A Câmara do Porto, liderada por Rui Moreira, um dos sócios da empresa, firmou com esta um acordo em que admitia a eventual alteração do uso do solo naquela zona da escarpa do Douro, nesta revisão do PDM, se à imobiliária fosse dada razão numa disputa arbitral sobre a legitimidade da sua pretensão. Na verdade, o acordo deixou, materialmente, de fazer qualquer sentido a partir do momento em que uma das partes não é, afinal, titular do terreno em causa (ou de boa parte dele, no caso), algo que foi já reconhecido em segunda instância, pelo Tribunal da Relação do Porto.

O terreno passou no entanto a ter um outro ónus, ao ser integrado na Zona Especial de Protecção ao monumento nacional Ponte da Arrábida. Apesar de isso não inviabilizar construções, e de apenas obrigar a que estas fossem sujeitas a parecer prévio da tutela do Património, ainda antes dessa decisão das Relação, há um ano, a Direcção Regional de Cultura do Norte fez saber que o director do Urbanismo da Câmara do Porto tentara, numa reunião de discussão sobre a futura ZEP, em Abril de 2018, que as parcelas reivindicadas pela Selminho ficassem de fora dessa área tampão, para eventual alteração do seu uso. Mas o que prevalece no documento que vai a votos é mesmo aquilo que tinha sido garantido pelo vereador Pedro Baganha, ainda em 2018. Os terrenos continuam, nesta proposta, a ser zona verde.

Não muito longe dali, na base da escarpa, a jusante da ponte, a Arcada vinha contestando a classificação dada ao solo no PDM de 2006, que não impediu o avanço do seu empreendimento por ter sido considerado que os seus direitos construtivos tinham sido adquiridos antes de o documento entrar em vigor.  A obra, embargada em 2019 por motivos que nada têm que ver com esta questão, estava erguida sobre terrenos até aqui classificados como zona verde.

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Em todo o caso, o promotor imobiliário ainda não conseguiu que o tribunal levantasse o embargo decretado por falta de consulta às entidades que gerem a faixa de domínio público hídrico nas margens do rio Douro. A Arcada e o município contestam a necessidade dessa consulta. Por outro lado, a APDL admitiu, há dez dias, acompanhar o Ministério Público numa acção de reivindicação de parte dos terrenos onde o projecto está implantado.

Boavista perde área para equipamento?

Há um ano o PÚBLICO noticiava que a sucessão de negócios ali realizados na década de 90 levou à apropriação de dois terrenos, um do domínio privado do município e outro do domínio público do Estado, o que, a confirmar-se, tornaria nula a usucapião de que este segundo fora alvo. A Arcada garante que nada teve que ver com essas transmissões, envolvendo particulares e o grupo Imoloc, mas vem-se preparando para uma eventual batalha legal em torno desta questão, ameaçando a APDL e o município com o pedido de avultadas indemnizações caso os seus direitos, adquiridos de boa-fé, sejam postos em causa. 

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No Caso do El Corte Inglés é necessário esperar por explicações do município para perceber o que o levou a propor mexer numa parcela do quarteirão ao lado da Casa da Música, alvo de um negócio, ainda não concluído, entre a Infraestruturas de Portugal e o grupo El Corte Inglés. No Pedido de Informação Prévia entregue nos serviços municipais, o ECI incluía nas descrições de todo aquele espaço uma parcela de 4200 metros quadrados, actualmente classificada, no PDM em vigor, como zona para equipamentos, e que até pretendia ceder ao município. Esse terreno, que é da empresa pública IP mas está prometido, por contrato, aos espanhóis, ganha capacidade construtiva semelhante à prevista para todo o quarteirão. Resta saber por que é que tal acontece, e quais as implicações disso no negócio em curso e nas pretensões urbanísticas para aquele local.

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