Querem mesmo combater o populismo?

Não se diminui a força do populismo atacando os populistas – mas sim gerando um contexto desfavorável ao seu crescimento.

O anúncio de uma eventual candidatura da popular apresentadora Cristina Ferreira à Presidência da República é a mais recente manifestação do incremento do discurso populista na política nacional. O populismo vem-se impondo por duas vias. A primeira consiste na ridicularização da política, através das performances cénicas, caricatas e sem conteúdo político da deputada Joacine do Livre, ou da candidatura presidencial de Tino de Rans. A segunda forma de populismo dominante é a da retórica autoritária, personificada pelo comentador desportivo e deputado André Ventura, aos quais se associam movimentos de extrema-direita racista, sem que Ventura se consiga (ou queira) deles libertar. Ambas as modalidades de populismo hipervalorizam o espectáculo – ora histriónico, ora impositivo.

O expoente máximo da menorização da política é, obviamente, o actual Presidente Marcelo, que exerce o cargo desvalorizando-o. Comenta todos os assuntos, importantes ou banais. Desta forma, promove os assuntos irrelevantes a importantes; e, ao mesmo tempo – o que é mais grave! –, reduz os verdadeiros problemas do País a questões banais. Com esta sua postura, Marcelo – que tudo desculpabiliza a um Estado de que é primeiro responsável – anestesia a opinião pública, cerceia o espírito crítico.

O populismo tem crescido em Portugal porque tem aqui um campo fértil para medrar: falta de credibilidade generalizada das instituições, uma classe política sem qualidade, uma corrupção generalizada nos negócios de Estado, a par de um baixo nível cultural, de um espaço público empobrecido.

Aqui, como em toda a Europa, o populismo sempre cresceu – nunca por mérito dos populistas, mas por incapacidade dos regimes democráticos se regenerarem. Os exemplos são vários nas últimas décadas. Em Itália, em 1987, a actriz de cinema porno Ilona Staller (Cicciolina) foi eleita deputada, num ambiente de descredibilização da política italiana, então completamente dominada por fenómenos de corrupção e pela submissão à Máfia. Também em França, nos anos oitenta do século XX, foi o contexto político-social que permitiu a ascensão do movimento “Frente Nacional”, com as suas políticas racistas e anti imigração. Jean-Marie Le Pen ganhou crescente apoio político e eleitoral durante um período em que se sucediam os casos de corrupção, nomeadamente os de maior dimensão económica, como o escândalo Crédit Lyonnais e Lyonnaise des Eaux. Mais tarde, a sua sucessora e filha, Marine Le Pen, foi conquistando eleitores, ao mesmo tempo que se sucediam os escândalos ao nível de financiamento partidário (e não só!), que atingiram Jacques Chirac, Alain Juppé, Nicholas Sarkozy ou até a actual presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde. Do mesmo modo, em Espanha foram sucessivos escândalos de corrupção no Partido Popular que levaram à queda do governo de Mariano Rajoy. E foi a sensação de impunidade, as práticas de financiamento partidário sem controlo, que criaram as condições para o recrudescimento de movimentos populistas como o Podemos (que hoje detém até a vice-presidência do governo) ou o partido de extrema-direita Vox, com forte representação parlamentar regional.

Mas se é verdade que o populismo floresce em ambientes caracterizados pela corrupção, também é certo que o fenómeno esmorece quando há uma percepção de que a corrupção está sendo efectivamente combatida pelas autoridades competentes. Aí a política e a democracia vencem. Por isso mesmo, em 1992, cinco anos depois de eleita, Cicciolina falhou a sua reeleição. Porquê? Porque nesse mesmo período, apenas dois meses antes das eleições gerais, foi lançada a operação anticorrupção “Mãos Limpas”, liderada pelos juízes Antonio Di Pietro e Giovanni Falcone. Esta operação fez erradicar da política italiana um grupo significativo de políticos ligados à Máfia. Desta forma, a política credibilizou-se, a figura exótica de Cicciolina deixou de ter espaço de afirmação.

Estes e outros exemplos deveriam ser apreendidos pelos actores políticos nacionais, que – se verdadeiramente querem combater o populismo – têm de apostar na credibilização das Instituições e do Estado como um todo, precisam de punir politicamente a mentira e devem combater, militantemente, a corrupção. Só desta forma o fenómeno poderá ser extirpado da vida política. Porque não se diminui a força do populismo atacando os populistas – mas sim gerando um contexto desfavorável ao seu crescimento.

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