Menos nutrientes, mais alimentos. Uma troca justa e sustentável

As preocupações com alimentação e nutrição fazem parte da realidade dos dias de hoje, existindo uma cada vez maior atenção por parte do público em relação às características nutricionais dos alimentos que escolhem ou consomem.

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Bernadett Szabo/Reuters

Confundir alimentos como o salmão, atum, fiambre, carne de porco, com os seus nutrientes (proteína, entre outros) é, atualmente, uma realidade frequente entre os consumidores. Confusão para a qual, muitas vezes, não concorre uma informação nutricional clara e objetiva nos rótulos dos produtos alimentares, assim como a partilhada em receitas, livros de cozinha e saúde, ou revistas de diversos âmbitos e ementas.

As preocupações com alimentação e nutrição fazem parte da realidade dos dias de hoje, existindo uma cada vez maior atenção por parte do público em relação às características nutricionais dos alimentos que escolhem/consomem (1). Num estudo da Nielsen de 2016, os portugueses demonstraram, uma preocupação com a saúde superior à da média europeia na escolha de produtos alimentares (2).

Na prática, esta preocupação crescente dos públicos no que toca à alimentação e nutrição e às características nutricionais dos alimentos que selecionam e consomem, não tem substância na informação fundamentada a propósito destas questões. Isto, não obstante, a atenção crescente aos rótulos por parte dos consumidores.

O mesmo é evidenciado no estudo do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM) em colaboração com a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP), ao sublinhar que 59% dos portugueses lê os rótulos, 42% de forma regular e 17% fá-lo sempre (3). Mais recentemente o estudo NUTR-HIA refere que 75% dos consumidores inquiridos ​​consideram importante ou muito importante ter acesso a informações nutricionais sobre quantidades de nutrientes, como o açúcar, as gorduras saturadas e o sal, associadas a doenças crónicas não transmissíveis relacionadas com a dieta (4).

No entanto, a complexidade da informação e a falta de harmonização na forma como esta é apresentada entre os diferentes produtos/marcas, são referidas pelos consumidores como dificuldades à compreensão da mesma. O baixo índice de literacia da população portuguesa é apresentado na literatura como uma dificuldade adicional (3, 4).

Um ponto que toca na realidade destacada no início deste artigo. No dia-a-dia, não nos faltam exemplos da confusão entre nutrientes e alimentos, os primeiros apresentados em substituição dos segundos. Uma confusão grave, que nos afasta da ligação natural que devemos ter com os alimentos, a sua origem, modo de produção, confeção, entre outros aspetos que têm impacto nas questões da sustentabilidade, além das ligadas às tradições e à cultura alimentar. 

Atum, salmão, ovo e lentilhas são alimentos que contém proteína, entre outros nutrientes DR
Fiambre, carne de porco e bacon são alimentos que contém proteína, entre outros nutrientes DR
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Atum, salmão, ovo e lentilhas são alimentos que contém proteína, entre outros nutrientes DR

Em troca, recebemos pouco, ao colocarmos o foco nos nutrientes (6-9). A alimentação é muito mais do que o conjunto dos nutrientes contidos naquilo que comemos. O prazer à mesa decorrente quer do convívio social, quer das sensações que os alimentos nos proporcionam é parte fundamental do ato de comer (10). Além destas questões, o tipo, o volume, o aspeto, o aroma ou a textura daquilo que ingerirmos tem efeitos fisiológicos diferentes, condicionando a satisfação, a saciedade e a forma como os nutrientes são processados e absorvidos (11 - 13).

Em suma, no contexto diário, mais importante do que a soma dos nutrientes, há que evidenciar os alimentos ingeridos e como que eles se completam na proporção relativa às recomendações alimentares. Assim, em vez de nos focarmos no valor nutricional, porque não colocar a atenção sobre os alimentos? 

A roda dos alimentos, instrumento de educação alimentar criado em 1977 e, revisto pela FCNAUP em 2003, indica-nos o número de porções de cada um dos grupos alimentares, a ingerir diariamente (14). A maioria conhece a roda e as suas proporções, mas não conhece a relação prática das porções com os pesos e quantidades dos alimentos (15, 16). 

Com o objetivo de reforçar este conceito, tomemos o seguinte exemplo: uma refeição tradicional, constituída por uma sopa e um prato de carapau com batata, grão e brócolos, ou, em alternativa, duas barritas proteicas.

A análise da tabela permite observar que as duas opções são próximas em conteúdo nutricional e no valor energético. Se fizermos esta análise na perspetiva das porções alimentares, obtemos o seguinte:

Refeição - Sop; um prato de carapau com batata, grão e brócolos; tangerina
2 porções de hortícolas
2 porções de carne, pescado e ovos
1 porção de gordura
1 porção de leguminosas
1 porção de cereais e tubérculos
0,5 porção de fruta

Relativamente à barrita, poderíamos considerar um equivalente dos cereais e fazer corresponder a 2 porções de cereais. Ainda assim, um alimento com um nível de processamento elevado (ultraprocessado), com elevado índice glicémico, e consequentemente longe de se equiparar a um alimento real, reforçando a ideia de que consumir nutrientes, não é o mesmo que consumir alimentos.

Importa ainda referir que a refeição tradicional totaliza uma quantidade de aproximadamente 450 g de alimentos, enquanto as duas barritas correspondem a 80 g, o que naturalmente terá um impacto significativo ao nível da saciedade, já para não falar da perda associada ao ato de comer.

Mais importante do que saber que determinado produto alimentar/ementa menu tem x g de proteína, y de hidratos de carbono, etc., é saber qual o contributo daquela refeição para as recomendações alimentares.

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Infografia criada no âmbito do livro Receitas Geração S+ (Entidades: Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e Escola Superior de Saúde de Alcoitão) Designer: Carla Julião

A disponibilização desta informação nas ementas/ menus, assim como nos produtos alimentares permitiria criar uma melhor perceção da quantidade consumida em relação às porções diárias, assim como melhorar a perceção do que é uma porção para os vários tipos de alimentos, e de como as diferentes refeições e produtos alimentares permitem atingir as recomendações.

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