O design português foi morar para São Bento para ser “o rosto visível de um povo”

Mais de 80 peças de design, com as fronteiras bem expandidas, estão na residência oficial do primeiro-ministro a partir de dia 25. Depois da Arte em São Bento, há Design em São Bento — aberto ao público uma vez por mês.

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Canapé da reitoria da Universidade de Lisboa, desenhado por Daciano da Costa, sob retratos de antigos primeiros-ministros Nuno Ferreira Santos
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Tapeçaria de Daciano da Costa Nuno Ferreira Santos

É design português, mas nas salas do piso térreo da residência oficial do primeiro-ministro não passam a morar a partir desta semana só peças como um móvel contador de Filipe Alarcão ou uma tapeçaria de Daciano da Costa. Há também um códice do Apocalipse ou um prato de Vhils, e um ancestral trilho de estrado que serve, apropriadamente nestes espaços de encenação de poder e tomada de decisão, como ferramenta agrícola para separar o trigo do joio. A partir de dia 25, há Design em São Bento – Traços da Cultura Portuguesa. “Todas as peças são escolhidas para materializarem um conceito. Para serem o rosto visível de um povo, de uma cultura — que se traduz no seu design”, resume a curadora Bárbara Coutinho.

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Peça de Vhils (Alexandre Farto) para a Bordallo Pinheiro no átrio da residência oficial nuno ferreira santos

A iniciativa, uma ideia do primeiro-ministro concretizada em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa e com o Museu do Design e da Moda (Mude) que Bárbara Coutinho dirige, abrirá ao público todos os primeiros domingos de cada mês com um programa de visitas guiadas entre as 11h e as 13h — a primeira decorre excepcionalmente já dia 26.

Depois de três edições do ciclo Arte em São Bento, em que durante um ano um comissário introduz peças de arte portuguesa na residência oficial de António Costa, esta passará também a ter um programa de design, desta feita com a duração de 18 meses a cada edição. Design em São Bento – Traços da Cultura Portuguesa estará pelas três salas e pelo átrio da residência até Junho de 2021 — quando termina a presidência portuguesa da União Europeia.

O códice do Apocalipse de Lorvão e a escultura de Rosa Ramalho nuno ferreira santos
A tapeçaria de parede de Almada Negreiros nuno ferreira santos
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O códice do Apocalipse de Lorvão e a escultura de Rosa Ramalho nuno ferreira santos

Visitantes, convidados e interlocutores do chefe do Governo poderão reunir sob um candeeiro serpenteante em cortiça de Miguel Arruda, que foi desenhado especificamente para a sala mas que se encontra em produção. Ou poderão ser invadidos pelo azul de um tapete da Burel Factory na sala dos embaixadores ou, na sala de recepção, dedicar-se ao diálogo entre duas cadeiras desenhadas por Maria Keil e duas poltronas emblemáticas de Marco Sousa Santos.

Na mesma sala, a Princesa a Cavalo em cerâmica de Rosa Ramalho e um fac-simile do códice Apocalipse de Lorvão representam o olhar que Bárbara Coutinho quer transversal e que toca a artesania, o design enquanto traço, a arte popular ou a vanguarda contemporânea. E houve ainda a considerar o espaço, onde agora, por exemplo, uma secretária bípede de Alarcão e um rosto de Vhils para a Bordallo Pinheiro saúdam os visitantes logo à entrada mas onde antes já moravam móveis clássicos, relíquias ou lustres. E onde não havia uma tapeçaria de parede (com produção actual) com base num esboço de 1971 de Daciano da Costa para o Hotel Penta.

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O núcleo formado pelo tapete da Burel, as mesas ou estante empilhável em módulos hexagonais de Daniel Vieira para a WeWood e as cadeiras da Around the Tree nuno ferreira santos

Cortiça, mármore, madeira, burel

Explorar as fronteiras expandidas do design é um caminho que Bárbara Coutinho conhece bem do seu trabalho no Mude e, mais recentemente, desde que as obras do museu congelaram e o equipamento autárquico vive uma fase programática “Fora de Portas”. Aqui, dada a especificidade do espaço, com a sua carga e a sua função de representação, as balizas de uma exposição e do design de interiores foram testadas fugindo ao meramente decorativo. E havia que pensar, frisa, na “funcionalidade e necessidades das pessoas que aqui trabalham — e não só o primeiro-ministro”, responde ao PÚBLICO no átrio da residência durante a apresentação à imprensa na tarde de quarta-feira.

“Não é um museu, não é uma galeria, não é uma mostra do design português que fica fechada. E a grande maioria das peças tem utilização”, aponta.

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Duas cadeiras desenhadas por Maria Keil para uma Pousada de Portugal sobre um tapete inspirado nos azulejos da artista na Avenida Infante Santo, em Lisboa, e, ao fundo, poltronas de Marco Sousa Santos nuno ferreira santos

Não há só autores nacionais (Sam Baron, que há décadas trabalha com marcas portuguesas, ou Ross Lovegrove, autor de uma edição limitada de iluminação para a Vista Alegre, estão representados), mas a produção tem de ser portuguesa. Há várias gerações de autores e materiais incontornáveis — a cortiça, o mármore, as madeiras, o burel. Marcas como a Around the Tree, a Vicara, as Manufacturas de Tapeçarias de Portalegre (responsáveis pela produção, em 1989, da peça de Almada Negreiros com base num estudo para a Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa) e instituições como a Fundação Ricardo Espírito Santo Silva ou o Museu de Etnologia colaboraram com a iniciativa.

Ao todo, estão representadas 85 peças de 41 autores entre mobiliário, luminária, têxteis e objectos decorativos. Mudaram o rosto de um piso de São Bento, entre clássicos portugueses de direito, como as cadeiras Gazela de António Garcia ou a cómoda de José Espinho, e novas interpretações que vêem design gráfico num códice do século XII ou a modernização da marcenaria portuguesa num móvel de assento e contentor (1965), de Conceição Silva.

Tapeçaria de parede Coral Vivo de Vanessa Barragão e o candeeiro de Miguel Arruda nuno ferreira santos
Na sala dos embaixadores, um candeeiro de Ross Lovegrove à direita junto de sofás da Adico nuno ferreira santos
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Tapeçaria de parede Coral Vivo de Vanessa Barragão e o candeeiro de Miguel Arruda nuno ferreira santos

Nos últimos três anos, a residência oficial do primeiro-ministro recebeu a cada feriado do 5 de Outubro a iniciativa Arte em São Bento, em que sob o comissariado de diferentes curadores peças de arte portuguesa entraram nas salas de São Bento para se mostrar ao público. Primeiro foi Suzanne Cotter a presidir às escolhas de peças da Colecção de Serralves, depois foi João Pinharanda a introduzir obras da Colecção António Cachola e, desde Outubro de 2019, Isabel Carlos fez uma selecção a partir da Colecção Norlinda e José Lima. O Design em São Bento inaugura uma nova fase, convivendo com a Arte em São Bento a partir de agora.

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