“Regionalização política” para descentralizar – a propósito da “Declaração do Rivoli”

Se foi falsa a partida para este processo, falta corrigir o caminho. E que tal o assunto passar por um debate das Assembleias Municipais, balizando, em cada realidade, a nova negociação com o governo, com que agora todos parecem estar de acordo?

Apesar da Lei-Quadro das Regiões Administrativas, Lei n.º 56/91 de 13 de Agosto, ter completado 28 anos (!), o propósito da descentralização continua envolto numa manhã de nevoeiro… e a proporcionar, cada vez que o assunto retorna à atualidade politica, uma incompreensível discussão onde a demagogia ganha um lugar primacial.

Essa demagogia surge implícita em duas afirmações:

É perigoso! (somos um País pequeno e uno)

Tem custos! (novos “tachos”)

Temos a ideia de que não é perigoso porque nenhum País claudicou por causa da regionalização. Mais, todos os países em que houve crescimento e desenvolvimento a sério têm regionalização.

O que queremos dizer é que a regionalização, não sendo por si só sinónimo de desenvolvimento, é condição sine qua non para o desenvolvimento. E acreditamos também que não provocará acréscimo de custos porque não é preciso instalar pessoal político.

Não, o que é preciso é assumir que a Democracia tem custos em que já incorremos e que o aparelho do Estado desconcentrado tem custos e tem estruturas técnicas a desenvolver ações que devem ser politicamente implementadas e julgadas pelo voto popular. Regionalizar tem também esse mérito de aproximar os cidadãos da política e da vida da comunidade.

Se queremos somente delegar tarefas, subcontratar, deixar que os municípios julguem que têm poder, podemos estar a criar um engano. Um engano porque, na verdade, delegar não é descentralizar. E nunca será descentralizar quando passamos um envelope financeiro subavaliado para executar tarefas que obviamente os municípios quererão, e conseguirão, fazer melhor.

Nunca haverá descentralização enquanto as decisões, todas as decisões de relevo, forem tomadas fora das comunidades locais. Por isso, é de ouvir e perceber o alerta dado por diversos autarcas e de escutar o apelo a um novo tempo. Não são posições isoladas e são posições estruturadas. Não é, nunca será, o tempo de fraturar o Poder Local, mas é o tempo de reconstruir o edifício do Poder Local.

Faz sentido, numa matéria como esta, as Assembleias Municipais, que muitas vezes não têm a mesma maioria dos executivos, só serem chamadas a esta temática da descentralização em caso de recusa?

“Os autarcas precisam é de mais tempo para discutir com o Governo e estudar a forma como vai ser feita” a descentralização de competências da Administração Central para os municípios, afirmou Ana Abrunhosa. A ministra respondia assim sobre uma proposta do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, e vários outros eleitos, entre eles o presidente da Área Metropolitana do Porto, os quais, no final de uma conferência realizada no Porto, defenderam que o Governo deveria adiar a obrigatoriedade de a transferência de competências se concretizar em Janeiro de 2021 e voltar a negociar o processo com as autarquias.

A própria ministra, na mesma entrevista, reconhece que as autarquias “têm equipas pequenas” para concretizar a descentralização como previsto na lei e que é preciso “tempo para ajudar as autarquias a capacitarem-se em diferentes áreas”. Reconhecendo, também, que os presidentes das câmaras municipais e a generalidade dos autarcas querem “compreender melhor o processo” e que este “tenha em conta as especificidades” da Administração Pública local.

O que se teme é que, na ânsia de cumprir calendário, com a vontade de cumprir promessas, não se tenha pensado nas formas de envolver mais os cidadãos, afinal os beneficiários dessa reforma do Estado.

Infelizmente parece ser assim que se pensa – em termos de poupar tempo quando se afastam as Assembleias Municipais do processo de decisão, exceto para deliberar as propostas dos executivos municipais para não aceitar as competências a transferir. Porém, essa velocidade reflete-se inversamente na dinâmica da mudança, gerando a demagogia que está implícita nas duas afirmações centrais que acima identificámos.

Perante este sinal claro de parte significativa de autarcas, é o momento de dizer que sobre a descentralização o que deve ser reiterado é que a novas competências tem de corresponder reforço da transferência das respetivas verbas, em cada ministério. Caso contrário, efetivamente, traduzir-se-á, na prática, numa redução das competências das autarquias, pois têm de passar a destinar uma fatia do orçamento para funções que não eram delas, ficando impossibilitadas de executar o seu programa. Matéria da competência específica das Assembleias Municipais, ainda que sob proposta dos executivos autárquicos... 

Se foi falsa a partida para este processo, falta corrigir o caminho. E que tal o assunto passar por um debate das Assembleias Municipais, balizando, em cada realidade, a nova negociação com o governo, com que agora todos parecem estar de acordo? 

Só teremos desenvolvimento se conseguirmos regionalizar. Falta-nos um patamar intermédio, legitimado pelo voto popular, para gerar confiança, sem prescindir da regionalização.

Escutamos com agrado o passo sugerido de eleição indireta do presidente da CCDR. É um passo. Talvez seja necessário saltar para a eleição direta e popular desse autarca, mas nessa matéria importa perceber, afinal, qual será o calendário que lhe dedicará o Presidente da República.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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