Julgamento de Trump arranca com pequena vitória do Partido Democrata

Contra a vontade do líder do Partido Republicano no Senado, a equipa de acusação tem três dias para apresentar os seus argumentos a favor da destituição do Presidente norte-americano. Regras foram aprovadas sob pressão de quatro republicanos.

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O líder da minoria do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer, fala aos jornalistas SHAWN THEW/EPA

Numa reviravolta de última hora que pode trazer um mínimo de incerteza ao julgamento do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um grupo de senadores republicanos forçou a liderança do seu partido a alterar duas regras importantes para a forma como o processo vai decorrer ao longo das próximas semanas. Na primeira sessão do julgamento no Senado, que terminou na madrugada desta quarta-feira, e que tinha como ponto único a aprovação das regras gerais, o Partido Democrata ganhou mais um dia para apresentar a acusação contra Trump e pôde entregar aos senadores o resultado das suas investigações sem depender de uma votação prévia, que só aconteceria dentro de suas semanas.

A proposta inicial, avançada na noite de segunda-feira pelo líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, dava às equipas de acusação e de defesa 24 horas, a espalhar por um máximo de dois dias, para apresentarem os seus argumentos aos 100 senadores – e também aos milhões de telespectadores que podem acompanhar o processo em directo.

O limite de 24 horas num máximo de dois dias foi muito contestado pelos sete congressistas do Partido Democrata que vão apresentar a acusação contra o Presidente.

Em particular, os democratas queixavam-se de que teriam de apresentar os seus argumentos noite dentro, em sessões diárias de 12 horas, lutando contra o cansaço dos senadores e dos telespectadores.

Para além da questão do tempo, a proposta inicial também dificultava o acesso dos senadores aos depoimentos e documentos obtidos pelo Partido Democrata na Câmara dos Representantes, ao longo da investigação que culminou no impeachment de Trump, em Dezembro.

Para que esse material chegasse às mãos dos jurados, seria preciso que pelo menos 51 senadores votassem a favor, numa câmara em que o Partido Republicano tem uma maioria de 53-47. E, mesmo assim, essa votação só aconteceria depois da apresentação dos argumentos da defesa e da acusação e das perguntas dos senadores aos dois lados – o que podia acontecer, o mais cedo possível, no final da próxima semana.

Mas há um pequeno grupo de senadores republicanos, em que se destacam Susan Collins (Maine), Lisa Murkowski (Alasca), Rob Portman (Ohio) e Mitt Romney (Utah), que tem escapado ao controlo total da liderança do seu partido. E nas reuniões que antecederam a primeira sessão do julgamento, para a definição das regras, ameaçaram votar ao lado do Partido Democrata contra a proposta inicial de Mitch McConnell.

Para contornar o que poderia ser uma derrota humilhante, a liderança do Partido Republicano acabou por ceder a duas exigências do Partido Democrata – dando três dias, e não apenas dois, para que as equipas de acusação e de defesa apresentem os seus argumentos; e aceitando, logo à partida, que os senadores tenham acesso a todos os documentos obtidos pela acusação.

No final, as regras do julgamento foram aprovadas em linha com as bancadas dos dois partidos, com 53 votos a favor (todos do Partido Republicano) e 47 contra (os 45 do Partido Democrata mais os dois independentes alinhados com os democratas).

Testemunhas de fora

Mas os republicanos não cederam na principal exigência dos democratas, que queriam ter a possibilidade de ouvir novas testemunhas durante o julgamento.

Agora, essa questão só voltará a ser discutida no final da apresentação dos argumentos da acusação e da defesa e depois de os senadores poderem fazer perguntas aos dois lados – ou seja, nunca antes do final da próxima semana.

O Partido Democrata acusa o Partido Republicano de adiar essa discussão para uma altura em que os senadores vão estar cansados, e menos disponíveis para aprovarem a convocação de testemunhas. Se houver novos depoimentos, o julgamento pode arrastar-se até ao final de Fevereiro com sessões diárias de várias horas, seis dias por semana, em vez das duas semanas desejadas pelo Partido Republicano.

A única hipótese que os democratas têm para intimar testemunhas importantes (como o chefe de gabinete de Trump, Mick Mulvaney, ou o antigo conselheiro de Segurança Nacional John Bolton) é que os quatro ou cinco republicanos menos alinhados com a liderança do seu partido se juntem a eles. E, se isso acontecer, o testemunho de figuras como Bolton pode ser a única oportunidade do Partido Democrata para conquistar mais apoios entre os norte-americanos para a condenação de Trump.

O desejo da Casa Branca é que Trump leia o discurso sobre o Estado da União, no dia 4 de Fevereiro, já como um Presidente livre do processo de impeachment.

E os quatro senadores que concorrem às eleições primárias do Partido Democrata (Bernie Sanders, Elizabeth Warren, Amy Klobuchar e Michael Bennet), que são obrigados a permanecer no Senado durante o julgamento, têm a primeira batalha eleitoral de uma longa campanha no dia 3 de Fevereiro, no estado do Iowa.

Abuso de poder é crime?

O julgamento prossegue esta quarta-feira com o primeiro de três dias reservados à acusação contra o Presidente Trump. Depois disso, entre sábado e terça-feira da próxima semana (o domingo é dia de descanso), será a vez da defesa. Seguem-se dois dias de perguntas e respostas, dos senadores aos dois lados do processo, e a partir daí ninguém sabe o que vai acontecer – será o resultado da discussão sobre a chamada de testemunhas a ditar os passos seguintes.

Trump foi acusado de abuso de poder e de obstrução do Congresso, num caso relacionado com uma campanha de pressão sobre a Ucrânia.

Segundo a acusação, o Presidente norte-americano pressionou o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, a abrir investigações para prejudicar Joe Biden, um dos seus principais adversários no Partido Democrata na corrida pela reeleição. Se isso não acontecesse, a Ucrânia não receberia um pacote de 391 milhões de dólares em ajuda militar (que já tinha sido aprovado pelo Congresso) para combater os separatistas pró-russos no Leste do país.

Após a abertura do processo de impeachment, em finais de Setembro, Trump recusou-se a ceder documentos à Câmara dos Representantes e proibiu os responsáveis da Casa Branca de testemunharem nas investigações, o que lhe valeu uma segunda acusação, por obstrução do Congresso.

Para que o Presidente norte-americano seja condenado e afastado da Casa Branca, é preciso que pelo menos 67 senadores aprovem uma ou as duas acusações. Se todos os 47 senadores do Partido Democrata votarem a favor, ainda assim ficam a faltar 20 votos – e, nesta altura, não há um único senador republicano disposto a condenar o Presidente.

A defesa de Trump, onde se destaca Ken Starr, o procurador independente que investigou o Presidente Bill Clinton, afirma que o impeachment na Câmara dos Representantes foi apressado e não tem provas suficientes.

E, mesmo que houvesse mais provas de abuso de poder e de obstrução do Congresso, o outro grande nome na equipa de Trump, Alan Dershowitz, defende que o processo não é legal – o antigo professor de Direito em Harvard é um dos poucos especialistas nos Estados Unidos que defende que um Presidente não pode ser destituído por decisões ou comportamentos que não sejam considerados crimes nos tribunais comuns.

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