Gulbenkian pede devolução de apoios mal aplicados na recuperação de Pedrógão

Fundação fez pedido de indemnização cível de 482 mil euros que terão sido usados para recuperar indevidamente casas de segunda residência. Em causa estão cinco residências no concelho de Pedrógão Grande.

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Adriano Miranda

O processo de investigação que o Ministério Público abriu por causa de suspeitas de fraude na aplicação de donativos para a reconstrução de casas após o incêndio de Pedrógão Grande, em 2017, está muito longe de estar concluído – aliás, o debate instrutório, que marca o final da fase da instrução e decidirá pela pronúncia ou não dos acusados, está marcado para o final do mês. Mas já começou a ter efeitos: a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) fez um pedido de indemnização superior a 482 mil euros.

O pedido de indemnização foi feito em Setembro, logo um mês depois de ser conhecido o despacho da acusação do Ministério Público, que deduziu acusação contra 28 arguidos, entre eles o autarca de Pedrógão Grande, o socialista Valdemar Alves. Foi aí que a Gulbenkian percebeu que entre as habitações que tinha apoiado estavam cindo casas, todas em Pedrógão Grande, cuja reconstrução foi financiada indevidamente, já que se tratavam de segundas habitações e não de primeiras residências.

As alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas levaram o Ministério Público a avançar com um inquérito. Segundo o Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra estão em causa “factos susceptíveis de integrarem os crimes de corrupção, de participação económica em negócio, de burla qualificada e de falsificação de documento”. Assim que foi conhecido o despacho de acusação, com 28 arguidos, tanto a Fundação Calouste Gulbenkian como a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) se constituíram assistentes no processo. “Constituímo-nos assistentes na acção do Estado porque, em nome da transparência e da clarificação, queremos saber se o dinheiro foi bem empregue”, afirmou o presidente da UMP, Manuel Lemos, em declaração ao Jornal de Noticias, que foi quem avançou com a notícia neste sábado.

De acordo com o Jornal de Noticias, o pedido de indemnização cível da FCG foi entregue logo em Setembro de 2019, e nele reclama uma indemnização de 482.848 euros, imputando responsabilidades a 11 dos 28 arguidos acusados pelo Ministério Público. O PUBLICO confirmou junto da fundação o pedido, mas foi remetido para o final do processo para obter mais esclarecimentos.

Recorde-se que logo após a tragédia de 17 de Junho, houve várias instituições de solidariedade social a manifestarem a intenção de apoiar as populações no terreno. A Fundação Calouste Gulbenkian foi uma das que avançou e, através da União das Misericórdias Portuguesas, criou um fundo especial para as populações. Ao capital inicial de 500 mil euros, doado pela própria FCG, juntaram-se mais doações de empresas como a Altri e a Navigator, bem como a gestão da conta solidária da Caixa Geral de Depósitos. No total, a FCG teve um fundo de mais de quatro milhões de euros para aplicar e gerir.

Já o fundo Revita, criado pelo Governo para gerir o apoio às populações e à revitalização das áreas afectadas em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, teve uma verba de 7,64 milhões de euros — 5,14 milhões de donativos, 2,5 milhões do orçamento do Ministério da Segurança Social. O processo de identificação das primeiras habitações ficou a cargo de uma Comissão Técnica criada no seio do Revita , composta por representantes dos três municípios envolvidos e por técnicos da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro. De acordo com o Tribunal de Contas, os mecanismos contra corrupção e fraude na gestão de donativos do Revita “não foram eficazes”.

O Revita continua a fazer um reporte regular da aplicação dos donativos. Foram identificadas 259 casas para reconstrução total e destas 244 já estão concluídas. O fundo ficou responsável pela recuperação de 99 casas com um perfil de intervenção mais exigente, tendo as restantes sido financiadas por parceiros como a FCG, a UMP ou a Cáritas. As referidas cinco casas que terão sido recuperadas indevidamente, e em relação às quais a FCG pede a devolução do dinheiro, estão todas no concelho de Pedrógão Grande.

Das 99 casas que ficaram a carga do Revita, 87 estão concluídas, seis estão suspensas e outras seis estão em execução.

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