Joacine, a diva

Talvez a vontade de tornar o Livre tão diferente dos demais partidos tenha sido, até agora, uma espécie de ingenuidade pueril que fez com que os candidatos a deputados sejam eleitos pelos militantes e simpatizantes e não pelos órgãos do partido ou por via de um modelo misto.

Acabo de ouvir as declarações de Joacine Katar Moreira (JKM) na assembleia do Livre em que se discutem várias moções, de entre elas a da retirada de confiança política à deputada única eleita por aquele partido político.

Confirmo cada vez mais a ideia que tenho. Apreciei sempre a intervenção política de Rui Tavares e leio habitualmente o que ele aqui escreve no PÚBLICO, concordando quase sempre com as suas ideias. Por isso, achei e acho que é importante um partido como o Livre, que se situe entre o PS e o BE, que represente uma esquerda europeísta, democrática, verde, progressista. Talvez a vontade de tornar o Livre tão diferente dos demais partidos tenha sido, até agora, uma espécie de ingenuidade pueril que fez com que os candidatos a deputados sejam eleitos pelos militantes e simpatizantes e não pelos órgãos do partido ou por via de um modelo misto. A escolha, em si, é a ideal, mas JKM vem demonstrar que nem sempre a democracia directa é a melhor conselheira.

Não me interessa aqui saber quem tem ou não razão, por me faltarem, como faltam à generalidade da população, dados importantes. Não sabemos o que foi conversado entre a deputada e o grupo de contacto, sendo certo que só esta sua existência parece inculcar uma guerra latente entre a eleita e a estrutura, o que é a implosão dos princípios em que repousa o Livre. Qualquer um de nós pode, todavia, consultar o sítio da Assembleia da República e verificar quais as iniciativas legislativas apresentadas por cada deputado ou grupo parlamentar. Acabado de o fazer agora e, de 403 iniciativas, apenas 2 foram propostas por JKM: a concessão de honras de panteão nacional a Aristides de Sousa Mendes (projecto de resolução n.º 64/XIV) e o projecto de lei n.º 126/XIV, que procede à 9.ª alteração à Lei da Nacionalidade. A primeira afigura-se-me como justíssima e já estava mais ou menos anunciada e a segunda foi apresentada como emblemática da acção do Livre. Simplesmente, como sabemos, Joacine apresentou-a fora de prazo e só um certo paternalismo parlamentar a admitiu para discussão na generalidade.

Sei bem que os deputados têm reuniões com várias entidades, presenças no plenário e nas comissões, contactos directos nos locais com os eleitores, mas a listagem que Joacine brandia ainda há pouco no seu discurso é muito magra naquilo que realmente importa à vida dos portugueses. O Livre não pode limitar-se a ter um discurso para certos sectores, mas deve assumir-se como um partido holístico e que se preocupe com aquilo que realmente releva para o quotidiano, sob pena de se limitar a um partido de casos e casinhos. De causas é bom que o seja, mas essas têm sido pouco demonstradas por JKM, que só se pode queixar de si mesma: desde o ridículo de pedir protecção na AR contra os jornalistas, a não conseguir ser contactada pelo grupo de contacto (que de contacto, afinal, só tem o nome… e estamos na era das TIC), a pedir para não ser publicada uma foto onde está de olhos fechados… Enfim, uma deputada de casos reveladores de que o mandato lhe subiu à cabeça, passando a comportar-se como uma diva a quem todos devem continência e obediência.

Tinha e tenho esperanças para e com o Livre, mas definitivamente não com Joacine ou com pessoas que, eleitas deputadas, pensem que se devem desprender das estruturas decisivas para a sua votação e que actuem – como no voto contendente com o conflito israelo-palestiniano – contra aquela que é a linha programática das listas pelas quais foram eleitas.

Meu caro Rui Tavares: o país e o Livre mereciam muito melhor. Oxalá a reunião de hoje traga boas novidades.

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