Catedral de Viena tinha um Dürer na loja de souvenirs?

Numa parede da catedral gótica de Santo Estêvão foi descoberto um fresco que os especialistas atribuem ao pintor e gravador alemão.

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A notícia de que uma pintura mural descoberta na catedral de Santo Estêvão, em Viena, poderá ter sido executada por Albrecht Dürer (1471-1528) surgiu já em Novembro passado na imprensa austríaca, mas só agora começa a chegar aos media internacionais, à medida que se vão consolidando os indícios de que o fresco, ou parte dele, pode ter mesmo a mão do pintor e gravador alemão, figura maior do Renascimento nórdico.

Quando os responsáveis da catedral mandaram limpar uma parede sobranceira à loja onde os visitantes podem comprar souvenirs do monumento, percebeu-se que sob a poeira ali acumulada durante séculos se ocultava uma pintura de cuja existência ninguém suspeitava. Trata-se um tríptico, com painéis representando duas mártires cristãs do final do século III – Santa Margarida de Antioquia e Santa Catarina de Alexandria – e, ao centro, o santo padroeiro da Áustria, Leopoldo III (1073-1136), dito O Piedoso. Como era habitual na arte religiosa da época, a pintura assenta sobre uma predela, um friso inferior igualmente decorado. 

O juízo actual dos peritos é de que há fortes probabilidades de que os dois painéis laterais tenham sido pintados por Dürer, que já não terá sido o autor do corpo central, figurando Leopoldo III. Após a descoberta, uma equipa de técnicos e vários especialistas na obra do artista alemão reuniu-se na catedral vienense para estudar a pintura, tendo concluído que as duas santas foram executadas por volta de 1505 e “são indubitavelmente de um artista do círculo de Dürer”, mas que o painel de Leopoldo III e a predela teriam sido realizados alguns anos mais tarde, provavelmente em 1510, por um discípulo do mestre.

A administração da catedral continua a não ir além desta declaração prudente, mas um dos grandes estudiosos do pintor, Erwin Pokorny, não hesita em afirmar que “nenhum dos assistentes ou seguidores de Dürer teria sido capaz de alcançar a qualidade das virtuosas pinceladas” que as figuras laterais do tríptico evidenciam. E também o director do departamento de monumentos austríacos, o historiador de arte Bernd Euler-Rolle, observa que “a qualidade do desenho lembra inegavelmente as obras de Dürer”.

Albrecht Dürer viveu a maior parte da sua vida na Alemanha e não havia até agora nenhum registo de que tivesse visitado Viena. Assim, se se confirmar que é o autor deste tríptico, a sua biografia terá de ser revista. E este achado reveste-se ainda de acrescida importância por se tratar de uma pintura mural, já que a única outra obra dessa natureza que se lhe conhecia era o gigantesco trabalho que realizou para decorar as paredes do salão nobre da Câmara de Nuremberga, destruído pelas bombas dos Aliados no final da Segunda Guerra Mundial.

Uma das possibilidades que está agora a ser aventada é que este tríptico tenha sido encomendado pelo imperador Maximiliano I, que durante o seu reinado recuperou a Áustria, então controlada pela Hungria, para o Sacro Império Romano-Germânico. Filho de Frederico III e de Leonor de Portugal, filha de D. Duarte, Maximiliano foi retratado por Dürer, que se tornaria o pintor oficial da sua corte em 1512.

O historiador de arte Michael Rainer lembra que o seu colega de ofício setecentista Joachim von Sandrart conta, na sua biografia de Dürer, que Maximiliano terá um dia dito ao artista: “Pinta-me alguma coisa grande na parede”. E conclui, em declarações ao jornal austríaco Wiener Zeitung: “Podemos ter acabado de descobrir o lugar a que diz respeito esta anedota.”

Se de facto os painéis laterais da pintura de Viena são de Dürer, resta ainda um enigma para o qual ninguém para já arrisca uma resposta: o que teria levado o artista, que depois de realizar esta obra ainda viveu quase um quarto de século, a deixar o trabalho a meio?

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