Associação recebeu 99 pedidos de apoio de homens vítimas de abuso sexual

Todos os meses, a Quebrar o Silêncio recebe oito novos pedidos de apoio. Associação prepara guia para a comunicação social e um livro para pais e educadores para prevenção do abuso sexual.

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Pedro Fazeres

Quase cem homens que sofreram violência sexual em alguma fase da sua vida procuraram a associação Quebrar o Silêncio em 2019, segundo dados divulgados no aniversário da entidade, que se celebra nesta sexta-feira.

No geral, foram 190 os pedidos de apoio que chegaram à associação, dos quais 99 foram de homens vítimas de violência sexual. Em três anos de funcionamento, a Quebrar o Silêncio deu apoio a 251 homens, com uma média de idades entre os 30 e os 40 anos, muitos dos quais procuram a associação para falar pela primeira vez das agressões que sofreram. Muitos dos casos acontecem na infância. Para tantos homens, é preciso às vezes décadas para darem o passo de contar a alguém.

Também as pessoas que convivem com homens que passaram por este trauma procuram a associação, na maioria mães, companheiras ou namoradas, mas também amigas. Foram 75 no ano passado. Perguntam o que podem fazer, o que devem dizer, como podem ajudar. Antes de mais, explica Ângelo Fernandes, é preciso compreender que a partilha é um passo arriscado, possivelmente doloroso, e pode ter havido um “longo período em que estes homens estiveram em silêncio”. Se a pessoa próxima apenas desconfia do que possa ter acontecido, é importante “não forçar a partilha”: quem quer muito apoiar tenta, por vezes, puxar mais directamente o tema do abuso, o que pode activar pensamentos intrusivos ou flashbacks de situações que estavam adormecidas, explica o fundador da associação.

Educar pais e crianças

Para o início do próximo ano lectivo, a Quebrar o Silêncio prepara o lançamento de um livro destinado a pais e mães, assim como educadores de infância, orientado para a partilha de estratégias de prevenção. E não é preciso sequer falar em abuso sexual: momentos do quotidiano como a hora do banho ou uma consulta médica podem ser aproveitados para, de forma mais descontraída, explicar à criança quem pode tocar no seu corpo e quais são as circunstâncias adequadas. “Nunca criando uma dramatização ou uma preocupação excessiva da parte dos pais”, sublinha Ângelo Fernandes. É de evitar desconversar quando começam a chegar as perguntas sobre questões sexuais, para não criar tabus que levam a criança ou adolescente a ocultar, mais tarde, eventuais situações concretas que a deixam desconfortável.

A quem cuida, é importante explicar que grande parte dos abusos é perpetrado por pessoas conhecidas ou mesmo familiares, muitas vezes adultos de confiança que envolvem a criança numa teia de segredo. É preciso estar atento aos sinais de alerta, desde inquietação a conversas ou brincadeiras demasiado sexualizadas para a idade.

Em situações de abuso que a criança resolve denunciar, é importante ter em mente que “esta partilha é um risco para esta criança”. “Existe a crença de que as crianças mentem, algo que não subscrevemos”, alerta Ângelo Fernandes. Pelo contrário, recomenda valorizar o acto da partilha, procurar um espaço seguro para a conversa e tentar transmitir calma à criança ou adolescente — mesmo que esta seja uma situação de stress para o adulto. Acima de tudo, é importante não colocar a culpa na vítima.

A Quebrar o Silêncio marca o seu terceiro aniversário na manhã desta sexta-feira, em Lisboa, com uma conversa sobre “Violência sexual infantil, trauma e os direitos humanos das crianças”. Entre as novidades para este ano está o lançamento de um guia para a comunicação social de recomendações para a escrita de notícias relacionadas com violência sexual, com o apoio da secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, mantendo-se o trabalho de atendimento a vítimas e familiares, formação de profissionais em várias áreas e sessões de informação em escolas.

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