A negociação do OE, um espectáculo deprimente

Exigir aumentos, apoios, subvenções, isenções, incentivos ou reduções de taxas e impostos em favor de alguns é um dever da esquerda responsável; querer tudo isso e ainda mais apenas para fazer prova de vida é ridículo

O Governo vai aproveitar as sobras do orçamento de 2019 e as folgas já previstas no de 2020 para dar resposta a exigências da esquerda sem comprometer o excedente de 0.2% no próximo ano. O prodígio do “melhor orçamento” da era de António Costa consegue criar essa ilusão tentando transformar um almoço frugal de um país pobre numa boda de milionários. Basta ver a interminável lista de propostas que os partidos à esquerda do PS levam à negociação na especialidade para percebermos que a lei destinada a enquadrar as prioridades políticas do país no próximo ano se transformou num milagre das rosas com toques de novo-rico. Exigir aumentos, apoios, subvenções, isenções, incentivos ou reduções de taxas e impostos em favor de alguns é um dever da esquerda responsável; querer tudo isso e ainda mais apenas para fazer prova de vida é ridículo. Por ser impossível de concretizar. E por ser feito na suposição de que não percebemos essa impossibilidade.

Face à necessidade do Governo em garantir ao menos as abstenções do Bloco e do PCP, seria fácil de adivinhar empenho, bravura, exigência e determinação por parte destes partidos na hora de negociar. Essa atitude seria fácil de manifestar e de compreender se cada um dos partidos definisse um núcleo duro de propostas ou de exigências e as assumisse com determinação. Se assim fosse, estaríamos a assistir à política na sua feição mais nobre. O que o Bloco, o PCP e o PAN levam às negociações, porém, está longe dessa atitude. Como num arraial minhoto onde há foguetes para todos os gostos, as suas dezenas de propostas pretendem obter ganhos de causa para pobres, ricos e remediados, para pensionistas e funcionários públicos, para os utentes do SNS ou para a garantia do bem-estar animal.

No meio de toda esta feira de vaidades, António Costa e Mário Centeno podem surgir como paladinos da sensatez. Dá até para esquecer que, no seu desenho original, o orçamento é um monumento ao paternalismo do Estado e um travão ao país mais dinâmico e criador de riqueza. Para a esquerda mais à esquerda, porém, é pouco. É mesmo preciso dar mais tudo a todos, nem que seja isentando os mais ricos de taxas no SNS ou de propinas nas universidades. A mensagem pode cair bem na vaga que acredita nos milagres das rosas. Não passa, porém, no juízo dos que sabem que um orçamento nada mais é do que a gestão de bens escassos em favor do interesse colectivo ou, simplesmente, dos que mais precisam dos seus recursos.

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