Iranianos gritam “fora com os líderes religiosos” pelo terceiro dia

Revolta mantém-se pelo encobrimento do regime da sua responsabilidade na queda de avião ucraniano. Analistas dividem-se sobre o significado deste momento para o regime.

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Cartazes de luto por Soleimani foram substituídos por cartazes pelas vítimas da queda do avião ucraniano ABEDIN TAHERKENAREH/EPA

Manifestantes contra os líderes religiosos do Irão voltaram à rua no terceiro dia de protestos desde que as autoridades reconheceram que atingiram, inadvertidamente, um avião de passageiros com um míssil. O erro aconteceu quando os iranianos se preparavam para uma potencial retaliação dos Estados Unidos pelo ataque contra uma base usada por tropas americanas no Iraque, que foi uma resposta ao assassínio do general Qassem Soleimani pelos EUA, importante figura do país e que uniu, numa primeira fase, uma maioria de iranianos em luto.

“Fora com os líderes religiosos!”, gritaram alguns dos manifestantes, perto das universidades de Teerão e Isfahan. “Morte ao ditador!”, diziam outros, referindo-se ao Líder Supremo, ayatollah Khamenei, no poder desde 1989. Em preparação para as manifestações, via-se a polícia antimotim a tomar posição, alguns a cavalo – o uso de cavalos é algo que vários jornalistas dizem nunca ter visto no Irão.

Imagens de manifestações anteriores mostraram pessoas feridas e sangue no chão, e ouviam-se tiros. A polícia nega ter disparado.

Em Dezembro, manifestações contra o aumento dos combustíveis foram violentamente reprimidas pelo regime, que cortou a Internet. Segundo a Amnistia Internacional, mais de 300 pessoas foram mortas na repressão.

O regime de Teerão reconheceu, no sábado, que abateu o avião ucraniano por engano na quarta-feira, matando todas as 176 pessoas a bordo (82 iranianos, 63 canadianos, 11 ucranianos, quatro afegãos, quatro britânicos e três alemães). A ira pública iraniana, primeiro contra a acção americana que matou Soleimani, transformou-se em protestos contra o regime após a admissão da responsabilidade, após dias de negações categóricas.

O primeiro alvo são as autoridades pela tentativa de encobrimento, e também contra os media estatais. O que levou à demissão de duas apresentadoras da televisão estatal, que decidiram afastar-se por sido levadas a mentir – algo inaudito no país, sublinha a jornalista Negar Mortazavi.

“Momento Tchernobil"?

É difícil perceber o que está a acontecer no Irão por causa das restrições aos media independentes. E além disso, observadores interpretam o que está a acontecer de modos muito diferentes. “Isto é o momento Tchernobil do Irão”, lê-se numa análise do israelita Raz Zimmt. “O Irão não está a enfrentar um momento Tchernobil”, diz outra análise, da Bloomberg. As duas opiniões referem-se ao ponto em que um regime cai quando há uma tragédia vista como fruto de incompetência, e encobrimento, dos líderes.

A analista da RAND Corporation Ariadne Tabatabai, diz que é tentador falar das palavras de ordem como uma mudança de paradigma no Irão. “Mas lembro-me de, em 2009 [o “movimento verde”, contra a reeleição, fraudulenta, do Presidente Mahmoud Ahmadinejad], ouvir muitas destas palavras de ordem nas ruas de Teerão”.

“Não é um momento Tchernobil porque não há um Gorbachov para aproveitar a oportunidade”, argumenta Bobby Ghosh na Bloomberg. Isso não quer dizer que não possa haver mudança, argumenta Ghosh, invocando um fogo posto num cinema que durante anos se pensou ter sido responsabilidade de partidários do xá Reza Pahlavi, e afinal foi obra de apoiantes do ayatollah Khomeini.  “Mesmo que o abate de um avião civil não venha a ser uma réplica exacta do incêndio do cinema, e muito menos de Tchernobil, é mais um golpe contra Khamenei e um regime que é está, em todos os aspectos, em falência”.

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