Seis dicas para convivermos melhor com o SNS

Podíamos ter um melhor SNS? Podíamos, se não fossem tomadas tantas decisões atentórias do mesmo. Se o próprio não se autoboicotasse. Se nós, os doentes/contribuintes, fôssemos mais exigentes.

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FRANCISCO ROMAO PEREIRA

O último Natal foi diferente, com dois familiares internados e submetidos a cirurgias, uma agendada, outra de urgência. Foram dias de alguma angústia, tristeza — não é propriamente feliz o Natal no hospital — e de ginástica familiar para estarmos presentes em todos os momentos cruciais na vida dos nossos doentes, em dois hospitais públicos, separados por algumas dezenas de quilómetros. Nessas andanças, reflecti sobre como é que posso contribuir (além dos impostos pagos) para um melhor Serviço Nacional de Saúde (SNS).

1. Ser solidário
No dia em que havia consulta de anestesia, prévia e fundamental para a cirurgia que estava agendada para a antevéspera de Natal, fomos surpreendidos por uma greve de funcionários. “Não há sistema”, ouvimos. Sem sistema não há consultas. Sem consultas não há preparativos para a cirurgia, calculámos, preocupados com a possibilidade de esta ser adiada. De volta de uma senhora de bata amarela, digladiam-se os que procuram respostas, indignados com mais uma greve. Em situações como estas, há que respeitar quem dá a cara. Em vez de queixas, lamentos e irritações, pergunto educadamente o que fazer, deixando para trás os que reclamam.

2. Ser simpático
É com um sorriso e com um “bom dia” sonoro que saúdo quem passa, de bata ou uniforme vestido. “Bom dia, onde fica Cirurgia 1? Muito obrigada! Bom dia, o chefe do serviço está?” E quando as respostas são tortas — “não vê que estou em greve?” —, continuo a sorrir e “votos de Boas Festas é o que lhe desejo”, desarmando o interlocutor que, mesmo com maus modos, lá vai dando as indicações de que preciso, antes de bater com a porta, para continuar na sua luta.

3. Ser paciente
“O senhor doutor está a dar uma formação, vai ter de esperar.” E espero, espero... Espero porque preciso mesmo de saber o que se faz quando não há sistema, se haverá consulta de anestesia, como será feita sem o processo à frente, se a cirurgia poderá ser cancelada. A espera é longa, em pé, de um lado para o outro, a mala e o chapéu-de-chuva começam a pesar toneladas, mas continuo a dar os “bons dias” a quem passa e sou recompensada. Em vez do chefe, surge a própria médica anestesista, com as mesmas dúvidas e outras, por exemplo, como contactar os doentes? Não é preciso, pelo menos um está por perto, informo-a. Um feliz encontro.

4. Ser objectivo
Não vale a pena contar a história da vida do doente desde a criação do universo para enquadrar o médico, a enfermeira ou seja quem for. Por um lado, os profissionais estão exaustos, cheios de trabalho e a responder em várias frentes — “a manta é curta e, já se sabe, quando é assim fica sempre alguma parte do corpo de fora”, ouvimos dizer a uma jovem enfermeira. Por outro, são isso mesmo, profissionais, logo, sabem o que fazem. Portanto, há que ser objectivo e, por consequência, não tomar demasiado tempo, apenas o necessário para ficarmos esclarecidos e transmitirmos a nossa total confiança a quem ali está a trabalhar em condições nem sempre dignas.

5. Ser optimista
“Vai correr tudo bem.” E é isso que temos de dizer aos nossos doentes, que estão ansiosos, nervosos, preocupados, sem saber se vão acordar depois da cirurgia. E é também essa mensagem que temos de passar aos profissionais. Nada de ares suplicantes, subservientes ou arrogantes, dependendo da nossa personalidade. Nem de queixas contínuas — “Estão sempre em greve… Não há chinelos, então como é que vai à casa de banho? Que tristeza de SNS… Só neste país!” —, sim, é preciso levar algumas coisas de casa, no nosso caso, até comida porque um dos nossos doentes tem as suas particularidades. Paciência, há coisas piores, por exemplo, não ter SNS, que o diga Clara Ferreira Alves, que partiu uma perna em Londres e foi-lhe recomendado que regressasse a Portugal; ou aquela amiga que escolheu o privado para ter o bebé, mas à primeira complicação foi depositada na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. 

6. Ser responsável
Não deixar os nossos familiares esquecidos no hospital. Se algumas famílias não dessem telefones e moradas falsas, como lamenta uma enfermeira, justificando por que não há camas na véspera de Natal, o meu pai poderia ter sido admitido no dia previsto e não teria feito o pós-operatório na ala feminina. Não vem mal ao mundo. O que dói é ver quem fica esquecido, como o senhor que insiste ao telefone para que a filha o vá buscar, pois foi-lhe dada alta no dia anterior. É angustiante ouvi-lo terminar a chamada com um “mas depois do Natal vens, não vens?” É difícil levar uma pessoa com mobilidade reduzida para casa? É, mas não é impossível. É o nosso pai ou a nossa mãe. No nosso caso, temos de fazer escalas para não os deixar sozinhos em casa, dia e noite.

Podíamos ter um SNS melhor? Podíamos, se não fossem tomadas tantas decisões atentórias do mesmo. Se o próprio não se boicotasse. Se nós, os doentes/contribuintes, fôssemos mais exigentes. Mas ser exigente não é gritar e esbofetear profissionais, antes é ser solidário e reflectir sobre pequenos gestos. Por muito pouco que seja, é sempre uma melhoria, quanto mais não seja na nossa vida.

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