Supremo revoga decisão do tribunal e autoriza Netflix a exibir especial de Natal da Porta dos Fundos

O Supremo ancora-se no “exercício da liberdade de expressão” para revogar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que ordenava retirar A Primeira Tentação de Cristo da Netflix.

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Os actores Gregorio Duvivier e Fábio Porchat, da Porta dos Fundos DR

O Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) condenou, nesta quinta-feira, a decisão do juiz desembargador que decidiu retirar do ar o especial de Natal do grupo humorístico Porta dos Fundos, A Primeira Tentação de Cristo. Trata-se de uma questão de “liberdade de expressão”, alega o juiz do Supremo, Dias Toffoli.

O episódio é “a plenitude do exercício de liberdade de expressão” e um “meio de reafirmação/ potencialização de outras liberdades constitucionais”, entende o Supremo. Sem esquecer a “relevância do respeito à fé cristã” (e a todas as outras crenças, acrescenta), “não é de supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar os valores” de uma fé com mais de dois mil anos, professada pela maioria dos brasileiros, cita o jornal brasileiro Estadão.

A decisão surge na sequência de uma reclamação apresentada pela Netflix, depois de conhecida a decisão do juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A empresa alega que a retirada do episódio “tem efeito equivalente ao da bomba utilizada no atentado terrorista à sede do Porta dos Fundos: silencia por meio do medo e da intimidação”.

A reclamação é uma figura legal usada quando uma das partes considera que uma decisão prévia do Supremo está a ser desrespeitada. De acordo com os argumentos apresentados pela plataforma de streaming, o STF já tinha considerado, em casos semelhantes, inconstitucional qualquer tipo de restrição à liberdade de expressão.

Ainda de acordo com os argumentos da Netflix, a plataforma é apenas uma agregadora de conteúdos, que os utilizadores podem escolher ou não ver “concedendo-lhes total liberdade de escolha”, cita o Estadão. No Brasil, A primeira tentação de Cristo, é para maiores de 18 anos e está “indexado como sátira, comédia e humor ácido”.

Em Portugal, é um conteúdo para maiores de 16 anos e é apresentado na secção de comédia.

Dias Toffoli é o mesmo juiz que decidiu sobre o caso do livro censurado na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. O livro de banda desenhada Vingadores, a Cruzada das Crianças, da Marvel, foi retirado do certame por conter uma imagem de um beijo gay, mas Toffoli impediu que isso acontecesse por ferir “frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação”.

A sátira, de 46 minutos, protagonizada pelos humoristas brasileiros Gregorio Duvivier e Fábio Porchat, não agradou a grupos religiosos, que criticaram a temática. Foi também lançada uma petição contra o filme, com mais de dois milhões de assinaturas de pessoas que consideram que a obra “ofende gravemente os cristãos”.

Na madrugada de 24 de Dezembro, na véspera de Natal, a sede da Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, foi alvo de um atentado que não provocou vítimas. Numa nota, a produtora condenou “todos os actos de violência” e afirmou esperar que “os responsáveis por este ataque sejam encontrados e punidos”. O incidente foi filmado pelas câmaras de vigilância e as imagens foram entregues às autoridades.

Eduardo Fauzi Richard Cerquise, um dos suspeitos de participar do ataque à produtora do Porta dos Fundos, já foi identificado pelas autoridades brasileiras embora se encontre na Rússia. O suspeito fazia parte da Frente Integralista Brasileira (FIB), um dos principais grupos nacionalistas e de extrema-direita do Brasil, que se define como defensora dos valores cristãos, da propriedade privada e da família.

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