Ainda não se governa em Espanha e já há mal-estar na coligação

O primeiro Executivo de coligação da história espanhola terá quatro vice-presidências e não três como previsto, diminuindo a importância de Pablo Iglesias na estrutura do poder. Podemos diz que “desconhecia”, mas não vai contestar publicamente.

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Pablo Iglesias, líder do Podemos, será o segundo vice-presidente do Governo Juan Carlos Hidalgo/EPA

Os socialistas espanhóis (PSOE) apanharam esta quinta-feira o seu parceiro de coligação de surpresa, anunciando que o governo com o Unidas Podemos (UP) terá quatro vice-presidências e não três como esperava o partido de Pablo Iglesias. No entanto, o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, envolveu a manobra política num embrulho de tal maneira progressista que deixa pouca margem de manobra ao seu parceiro de esquerda para sair a bater no peito em público: ao nomear três mulheres – e fazer alarde disso – e ao acrescentar uma vice-presidência sobre a Transição Ecológica e o Desafio Demográfico.

De acordo com a TVE, o Podemos “desconhecia” a existência dessa quarta vice-presidência, entregue a Teresa Ribera, e o anúncio provocou mal-estar dentro dos “roxos”. Mesmo que Sánchez justifique que as questões ecológica e demográfica foram temas centrais da sua campanha e elevá-las ao nível de uma vice-presidência demonstra a importância que lhes é dada pelo novo executivo espanhol (cumprindo “com o compromisso de Sánchez de dar estatuto ministerial” à questão demográfica e, assim, garantir “quatro vice-presidências enfocadas em cada uma das transformações que necessita a Espanha que merecemos”, refere o PSOE em comunicado), é impossível escapar à leitura de que Iglesias acaba por ver o seu peso político diminuído.

Segundo referiram fontes do Podemos ao El País, apesar de agastados pela manobra dos socialistas (a possibilidade de uma quarta vice-presidência nunca havia sido aflorada nas negociações para o acordo de coligação entre as duas formações políticas), o partido descarta a possibilidade de reagir publicamente a esta decisão.

De um Governo com apenas uma vice-presidência, Espanha passará a ter quatro vice-presidências, mantendo-se Carmen Calvo como número dois e primeira vice-presidente (ministra da Presidência, Relações com as cortes e Memória Democrática). Iglesias fica com a segunda vice-presidência e as áreas dos Direitos Sociais e da Agenda 2030. A terceira vice-presidência (Assuntos Económicos e Transformação Digital) vai para a ministra da Economia, Nadia Calviño.

O El Mundo refere que a proporção de três socialistas para um do Podemos nas vice-presidências será a mesma que deverá ser seguida na formação do novo Governo. Como, além de Iglesias, já há quatro ministros propostos pelo Podemos – Irene Montero, na Igualdade, Yolanda Díaz, no Trabalho, Alberto Garzón, Consumo, e Manuel Castells, Universidades –, confirmados por Sánchez esta quinta-feira (a fuga dos nomes para a imprensa não agradou nada ao socialistas), espera-se que o executivo venha a ser composto por uma vintena de ministros.

Na quarta-feira, os grupos parlamentares do PSOE e do UP, assinaram um acordo de coordenação para toda a legislatura, com vista garantir a estabilidade onde se refere que o Governo “se regerá pelos princípios da lealdade, cooperação, co-responsabilidade e estabilidade”, actuando com “diálogo, consenso, negociação e boa fé”. O facto de o Podemos ter divulgado o nome dos seus ministros antes de tempo e de o PSOE ter guardado na manga o ás da quarta vice-presidência mostra que para a estabilidade governativa vai ser preciso mais que um acordo de coordenação.

Os socialistas, em comunicado, adiantam que até domingo (dia do anúncio oficial) se irão conhecendo mais nomes que vão formar o novo executivo, já se sabendo que há dois ministros que transitam do anterior: María Jesús Montero, que se mantém na pasta das Finanças (e assume também a função de porta-voz do Governo, substituindo Isabel Celaá), e José Luis Ábalos, que continuará a dirigir o Ministério do Fomento.

Para o Partido Popular, líder da oposição, as quatro vice-presidências do novo Governo são um “exemplo de desperdício”, na medida em que representará “mais altos cargos, assessores e carros oficiais”, afirmou o vice-secretário para a comunicação Pablo Montesinos, citado pela Europa Press. “Que estariam a dizer hoje se Casado tivesse que formar governo e anunciasse quatro vice-presidências, em tudo o que se isso pressupõe?”, perguntou retoricamente Montesinos.

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