Trump surge em versão contida e formal e responde ao Irão com sanções económicas

Presidente dos Estados Unidos diz que o regime iraniano “parece estar a recuar” e propõe reanimar o diálogo para um novo acordo sobre o programa nuclear. Irão reafirma que vai continuar a lutar pela expulsão das tropas norte-americanas do Iraque.

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Donald Trump ladeado pelo secretário da Defesa, Mark Esper, e pelo vice-presidente, Mike Pence Reuters/KEVIN LAMARQUE

As notícias que foram chegando do Iraque desde as primeiras horas de quarta-feira, confirmando que o ataque com mísseis iranianos contra duas bases norte-americanas não tinha feito vítimas, mostravam que a escalada da tensão entre os dois países parecia estar perto do fim. E foi isso mesmo que o Presidente dos Estados Unidos indicou na sua aguardada declaração ao país, na tarde desta quarta-feira, em que anunciou a aplicação de novas sanções económicas contra o Irão mas não falou em respostas militares: “Agora, temos de trabalhar em conjunto para fazermos um acordo com o Irão que torne o mundo num lugar mais seguro e mais pacífico”, disse Donald Trump.

Horas antes de Trump surgir perante as câmaras de televisão, na Casa Branca, para anunciar ao país e ao mundo qual seria a resposta dos Estados Unidos ao ataque iraniano contra bases norte-americanas no Iraque, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Javad Zarif, já tinha dado a entender que o receio de um conflito de maior dimensão estava, por agora, afastado.

“O Irão executou e concluiu as suas medidas proporcionais de autodefesa ao abrigo do Artigo 51 da Carta das Nações Unidas”, disse Javad Zarif, no Twitter, pouco depois do ataque com mísseis contra bases nas províncias de Anbar, no centro, e Erbil, no norte, usadas pelo Exército norte-americano.

Era essa a resposta do Irão ao assassínio do general Qassem Soleimani, ordenada pelo Presidente dos Estados Unidos na madrugada de sexta-feira da semana passada. Uma resposta que o regime iraniano podia apresentar internamente como uma “bofetada na cara” dos norte-americanos mas que não convidava a Casa Branca a reagir com violência.

Pouco depois de os mais de 20 mísseis iranianos terem caído nas duas bases norte-americanas, a televisão estatal do Irão dizia ao país que tinham sido mortos “pelo menos 80 terroristas americanos”. No discurso na tarde desta quarta-feira, o Presidente dos Estados Unidos disse que “nenhum americano foi atingido nos ataques do regime iraniano” – um resultado previsível por serem dois alvos em estado de alerta máximo, localizados em zonas afastadas de populações civis, e que terão sido informados do ataque com antecedência pelo Governo iraquiano.

“O Irão parece estar a recuar, o que é bom para todas as partes envolvidas e muito bom para o mundo”, disse o Presidente dos Estados Unidos.

Fim da “tolerância"

Mas quando Donald Trump chegou ao grande salão da entrada principal da Casa Branca para falar, tudo estava ainda em cima da mesa. E nada ficou mais claro quando o Presidente norte-americano passou por cima da habitual saudação a quem o via e ouvia, e começou o discurso com uma declaração de força muitas vezes repetida no passado: “Enquanto eu for Presidente dos Estados Unidos, nunca permitirei que o Irão tenha uma arma nuclear. Bom dia.”

Nos minutos seguintes, Trump manteve-se sempre colado ao texto do discurso, numa demonstração pouco habitual de que também consegue ser contido e formal em momentos críticos, como os seus antecessores – uma postura que foi rapidamente salientada por vários responsáveis do Partido Republicano, a dias de o Presidente norte-americano começar a ser julgado no Senado, num processo de impeachment, por abuso de poder e obstrução do Congresso.

“Enquanto continuamos a avaliar opções em resposta à agressão iraniana, os Estados Unidos vão imediatamente impor novas sanções económicas punitivas ao regime iraniano. Estas fortes sanções vão estar em vigor até que o Irão mude o seu comportamento”, disse Trump, explicando depois o que tem o Irão de fazer para se livrar do garrote económico norte-americano.

“Há tempo a mais, desde 1979 para ser exacto, os países têm tolerado o comportamento destrutivo e desestabilizador do Irão no Médio Oriente e noutras regiões. Esse tempo acabou. O Irão tem sido o principal patrocinador do terrorismo, e a sua vontade de ter armas nucleares ameaça o mundo civilizado. Não deixaremos nunca que isso aconteça.”

Quase dois anos depois de ter rasgado o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano contra a vontade da União Europeia, da China e da Rússia, Trump surgiu esta quarta-feira com uma postura aberta ao diálogo com o Irão e em que os tradicionais aliados europeus e a NATO voltam a ter um papel de grande relevo – os primeiros na elaboração de um novo acordo com o Irão e a organização militar “envolvendo-se muito mais no processo do Médio Oriente”.

“O muito defeituoso JCPOA [sigla em inglês para designar o acordo sobre o programa nuclear iraniano] dá ao Irão um caminho rápido para o nuclear. É tempo de Reino Unido, Alemanha, França, Rússia e China admitirem esta realidade”, disse Trump.

“Agora, temos todos de trabalhar em conjunto para fazer um acordo com o Irão que torne o mundo num lugar mais seguro e mais pacífico. E temos também de fazer um acordo que permita ao Irão prosperar e tirar partido do seu enorme potencial. O Irão pode vir a ser um grande país”, declarou o Presidente norte-americano.

Estava feita a apresentação das duas grandes linhas da resposta da Administração Trump ao Irão – o refreamento da escalada militar dos últimos dias, que ameaçava alastrar-se a outros países; e, ao mesmo tempo, a proposta de uma nova era nas relações entre Washington e Teerão, desde que o regime iraniano deixe de “fomentar a violência, a agitação, o ódio e a guerra”.

Irão mantém objectivos

Ainda que a tensão dos últimos dias acabe por se dissipar, não se prevê uma mudança de fundo na relação entre os dois países – e é possível que haja outros momentos críticos num ano em que o Presidente dos Estados Unidos enfrenta um impeachment e eleições para se manter na Casa Branca, e em que o regime iraniano tenta travar as críticas da oposição com apelos à união típicos num país sob ameaça.

“O Irão vai continuar a tentar cumprir os seus objectivos regionais, e um dos mais importantes é a saída das forças norte-americanas do Iraque”, salienta Jonathan Marcus, especialista em defesa e segurança na BBC. “O assassínio de Soleimani fragilizou a posição dos Estados Unidos no Iraque. E os responsáveis norte-americanos insistem que não têm nenhum desejo nem motivo para sair de lá.”

Esta quarta-feira, antes do discurso de Donald Trump, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, já tinha deixado claro que o Irão não vai desistir do seu objectivo de longo prazo: “A nossa resposta final ao assassínio [do general Qassem Soleimani] será a expulsão das forças norte-americanas da região.”

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