Autoridades adiam enterro de Soleimani após morte de mais de 50 pessoas em cortejo fúnebre

Multidão seguia o corpo do general assassinado pelos Estados Unidos na sua cidade natal, depois de uma cerimónia na véspera em Teerão.

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Reuters/WANA NEWS AGENCY
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As ruas da cidade de Kerman, no Sudeste do Irão, estavam esta terça-feira tão cheias para mais um cortejo fúnebre em homenagem a Qassem Soleimani que o pior aconteceu: uma debandada causou 56 mortos, segundo a estação de televisão estatale deixou centenas de feridos. O cortejo do antigo general da Força al-Quds, unidade de elite dos Guardas da Revolução, foi o maior desde o funeral do ayatollah Ruhollah Khomeini, em 1989. 

As autoridades iranianas anunciaram que o enterro, marcado para esta terça-feira, fica adiado e que uma nova data será anunciada mais tarde, sem darem mais pormenores. 

As pessoas começaram a correr durante a procissão que assinala o funeral de Soleimani em Kerman, a cidade natal do general. Estima-se que estejam milhões de pessoas no local para assistir à cerimónia fúnebre, segundo a BBC. 

Foram publicados alguns vídeos nas redes sociais. As imagens mostram alguns corpos na rua, enquanto outras pessoas tentam ajudar os feridos. 

A notícia da debandada foi confirmada num primeiro momento pelo responsável pelos serviços de emergência iranianos, Pirhossein Koulivand, que falou ao telefone com a agência  noticiosa estatal: “Infelizmente, devido a uma debandada, alguns dos nossos compatriotas ficaram feridos e outros foram mortos durante a procissão do funeral.”

“As pessoas estão a circular por pequenos espaços na direcção de um cemitério em específico. E pode ter isso uma das razões para a debandada ter acontecido”, disse o correspondente da Al-Jazira Assed Beig. Muitos iranianos não conseguiram participar no cortejo fúnebre desta segunda-feira, em Teerão, e quiseram despedir-se do comandante em Kerman, inundando as ruas. 

O cortejo continuou e voltaram os avisos e ameaças aos Estados Unidos, com as já tradicionais palavras de ordem “Morte à América” e “Morte a Trump”. "O mártir Qassem Soleimani é mais poderoso agora que está morto”, disse o comandante dos Guardas da Revolução, o major-general Hossein Salami. “O inimigo matou-o injustamente.”

Soleimani foi morto na sexta-feira passada num ataque aéreo norte-americano nos arredores do aeroporto de Bagdad, no Iraque. O general era considerado o número dois do regime iraniano e um dos militares mais venerados no Médio Oriente pelo papel que representava na resistência aos Estados Unidos e na derrota do Daesh, ao comandar milícias xiitas e a Al-Quds na linha da frente. 

O Irão considerou o assassínio um acto de guerra e prometeu retaliar contra os interesses norte-americanos no Médio Oriente, com Washington a levar a sério a ameaça e a preparar-se para essa eventualidade. 

“Estamos aqui hoje para prestar o nosso respeito ao grande comandante”, disse um dos participantes no cortejo, citado pelo Guardian. “Qassem não era apenas amado em Kerman, ou no Irão, mas em todo o mundo”, disse Hemmat Dehghan, outro participante e veterano de guerra, à AFP. 

A procissão de segunda-feira, em Teerão, juntou cerca de um milhão de pessoas na capital iraniana e os relatos de quem viu o cortejo passar referiam que nunca tinham sido vistas tantas pessoas nas ruas. 

Frente unida contra Estados Unidos no Iraque

Os líderes das milícias xiitas iraquianas pró-Irão vão reunir-se nas próximas 24 horas para discutir a formação de uma frente unida contra a presença dos cinco mil militares norte-americanos no Iraque, anunciou a televisão libanesa Al-Mayadeen, pró-Hezbollah. 

As milícias xiitas estão agrupadas numa formação mais alargada chamada “Forças de Mobilização Popular” (FMP), detêm mais de cem mil milicianos, recebem armas e treino do Irão e foram responsáveis pela invasão da embaixada dos EUA na capital e pelos ataques a outras bases com rockets e morteiros. São tão fortes que o Governo iraquiano depende delas para sobreviver e, nos últimos meses, para reprimir os manifestantes que exigiam melhores serviços públicos e mais emprego. 

Há 17 anos que os Estados Unidos mantêm tropas no Iraque. O assassínio do general e do líder miliciano no ataque com drones conseguiu o que o Irão nunca antes tinha sido capaz: unir numa única frente toda a comunidade muçulmana xiita contra os Estados Unidos. E os cortejos fúnebres dois líderes xiitas, com centenas de milhares de pessoas nas ruas, provaram-no. 

Um outro exemplo foi a posição inédita do Governo e Parlamento iraquianos ao aprovarem uma moção a expulsar as forças estrangeiras do país, numa iniciativa dirigida às forças norte-americanas e às da coligação internacional que combatem o Daesh. O Iraque considerou o assassínio de Soleimani uma violação da sua soberania e do acordo de presença dos EUA no país e, para que possa proteger o seu espaço aéreo, a Rússia ofereceu-lhe nesta terça-feira sistemas antimísseis S-400, os mesmos que criaram tensão entre a Turquia e os seus aliados da NATO. 

Mas os Estados Unidos não estão dispostos a abandonar o país que invadiram em 2003 e o Presidente norte-americano, Donald Trump, ameaçou o Iraque com “sanções como nunca viu”, se as suas tropas fossem expulsas, ao mesmo tempo que exigia uma indemnização pelos mil milhões de dólares gastos na construção das bases militares. 

“Vão fazer com que as sanções ao Irão pareçam leves”, disse Trump. “Não vamos embora sem antes nos pagarem.”

Por agora, as operações de combate das tropas norte-americanas e as de treino à responsabilidade da NATO estão suspensas. Os militares estão confinados às bases e em alerta, temendo serem atacados por morteiros e rockets, como se estivessem cercados.

E, enquanto se aguarda a resposta de Teerão, os norte-americanos estão a reforçar a sua base a 50 quilómetros de Bagdad com homens e equipamento, mais um sinal de não estarem dispostos a abandonar o país. 

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