Forças de Haftar conquistam Sirte, bastião costeiro das milícias de Trípoli

Foi a primeira grande vitória militar do Exército Nacional Líbio, do marechal Khalifa Haftar, desde a ofensiva de Abril, travada nos arredores de Trípoli. Presidente turco já começou a enviar tropas para o país do Norte de África.

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Sirte estava sob controlo das milícias que apoiam o Governo de Fayez al-Sarraj desde 2016, quando expulsaram o Daesh da cidade Esam Al-Fetori/Reuters

O Exército Nacional Líbio, do marechal Khalifa Haftar, conquistou esta segunda-feira a cidade costeira de Sirte, um dos grandes bastiões das milícias aliadas do Governo de Trípoli, o único reconhecido pelas Nações Unidas. Um dia antes, o Presidente turco, Receep Tayyip Erdogan, anunciou que Ancara já estava a destacar tropas para apoiar no terreno o executivo do primeiro-ministro, Fayez al-Sarraj. 

“Vai haver um centro de operações [na Líbia], vai haver um tenente-general turco a chefiar e vão gerir a situação a partir de lá. [Os soldados turcos] estão gradualmente a movimentar-se para lá neste momento”, disse em entrevista Erdogan à CNN Turkey. “Vamos ter diferentes unidades a servir como forças de combate”, continuou, sem, no entanto, dar mais pormenores. 

As tropas terão como missão treinar soldados líbios, mas no pacote de ajuda militar turco está incluído o envio de milicianos árabes sírios, destacados até recentemente no Nordeste da Síria contra os curdos, para combater Haftar. Os milicianos são um dos principais instrumentos do regime turco para guerras por procuração, à semelhança do Irão com as suas milícias xiitas no Médio Oriente, e uma forma de evitar que tropas turcas entrem em combate. 

O destacamento de tropas turcas para a Líbia apanhou todos de surpresa, inclusive os partidos turcos da oposição, e o Parlamento turco, dominado por Erdogan, aprovou-o em velocidade cruzeiro a 2 de Janeiro. Erdogan corre contra o tempo para salvar o Governo de Al-Sarraj contra as forças leais ao marechal Haftar e, assim, o acordo para a criação de uma zona económica exclusiva (ZEE) que vai da costa sul da Turquia até à costa líbia. O acordo foi entretanto rejeitado pelo Parlamento afecto ao marechal, sediado em Tobruk. 

A decisão turca pôs Ancara e Moscovo em rota de colisão no campo de batalha, uma vez que há mercenários russos, do Grupo Wagner, o braço militar informal do Kremlin, nas fileiras do general. E, para o evitar, Erdogan e o Presidente russo, Vladimir Putin, vão encontrar-se esta quarta-feira em Istambul para discutir o futuro da Líbia, à semelhança do que fizeram recentemente com a Síria. 

Ataque-surpresa

Na segunda-feira, as forças do marechal, que em tempos serviu o ditador líbio Muammar Kadhafi, levaram a cabo um ataque-surpresa, antecedido de fortes bombardeamentos aéreos, contra Sirte e tomaram a cidade em pouco mais de três horas, diz a Al-Jazira. Haftar quer derrotar as forças de Trípoli antes que as forças turcas cheguem ao terreno, evitando a alteração da relação de forças, e, para isso, apelou a todos os líbios para que peguem em armas. “Aceitamos o desafio e declaramos uma jihad [guerra santa] e apelo às armas”, disse. 

As tropas de Haftar tomaram, em primeiro lugar, os bairros na periferia de Sirte e, depois, uma base aérea de Al-Qardabiya. Consolidadas as suas posições, camiões com tropas avançaram para o centro da cidade sem grande oposição, diz a Al-Jazira. As milícias aliadas do Governo de Trípoli optaram por evitar o combate para se pouparem para a defesa de capital Trípoli, onde, também esta segunda-feira, Haftar conseguiu, pela primeira vez, conquistar um bairro. 

Haftar anunciou a tomada de Sirte em comunicado e, pouco depois, um outro comunicado, desta vez do Governo de Al-Sarraj, desmentiu-o. “A situação dentro de Sirte está completamente sob nosso controlo, e os combates da véspera aconteceram fora da cidade”, lê-se no documento.

Mas a realidade no terreno parece dar razão a Haftar: vários residentes disseram à BBC e à Al-Jazira que grande parte de Sirte estava sob controlo de Haftar. “Eles [Exército Nacional Líbio, de Haftar] controlam grande parte da cidade neste momento. Também ouvimos tiroteio”, disse um residente, sob anonimato, à BBC. 

“A cidade é muito estratégica por estar muito perto de campos e portos petrolíferos na costa central líbia”, explicou o correspondente da Al-Jazira Mahmoud Abdelwahed, a partir de Trípoli. “Também estamos a receber informações de fontes militares em Misrata de estarem a enviar tropas para Sirte, para repelir os ataques das forças de Haftar.”

A conquista da cidade costeira, sob controlo das milícias de Trípoli desde 2016, é uma importante vitória para Haftar, que domina a maior parte da Líbia, e foi o primeiro grande desbloqueio do impasse que se vive há meses. A ofensiva por si lançada em Abril foi travada nos arredores de Trípoli e os dois lados entrincheiraram-se, com escaramuças e ataques aéreos a marcarem o campo de batalha. 

No sábado, um ataque de drone a uma academia militar em Trípoli matou mais de 30 pessoas e causou dezenas de feridos. O ataque deu-se quando várias dezenas de cadetes estavam em parada militar e o Governo de Trípoli acusou Haftar de estar por trás do acto. 

Internacionalização do conflito

Confrontada com um impasse militar e falhadas as negociações, cada parte beligerante começou a reforçar as suas forças e apoios militares, políticos e logísticos no estrangeiro com os próximos embates no horizonte — Haftar anunciou que preparava uma ofensiva na primeira metade de Dezembro. As forças do marechal mostram ser mais poderosas do que as do executivo de Al-Sarraj, uma vez que têm nas suas fileiras mercenários sudaneses e russos e dispõem de armas fornecidas pelos Emirados Árabes Unidas, Egipto, Jordânia e Rússia. 

A intervenção turca ameaça internacionalizar ainda mais o conflito líbio e suscitou grandes preocupações ao Egipto e à Europa, diz o site Defense Post. E, numa tentativa para evitar a escalada, o Egipto anunciou uma reunião para esta quarta-feira entre os chefes da diplomacia francesa, italiana, grega, cipriota e egípcia (países mediterrânicos) para analisar os “rápidos desenvolvimentos”. Todos os países convidados são aliados de Haftar ou opõem-se aos planos de Erdogan de criar a ZEE. 

“Estou muito zangado por ver que toda a gente quer falar sobre a Líbia e que muito poucas pessoas querem falar sobre os líbios, sobre o que lhes acontece”, criticou Ghassan Salame, enviado especial das Nações Unidas para a Líbia, numa reunião do Conselho de Segurança. “O que peço a estes países é muito simples: fiquem longe da Líbia. Já há demasiadas armas na Líbia, não precisam de mais; já há suficientes mercenários na Líbia, parem de enviar mercenários, como está a ser o caso.”

Os combates já causaram a morte a mais de 280 civis e a dois mil combatentes desde o início da ofensiva de Haftar, em Abril, de acordo com as Nações Unidas. 

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