O julgamento de Weinstein começa com a difícil tarefa de escolher um júri imparcial

Avaliar quem pode ou não ter sido influenciado pelo movimento #MeToo é um dos desafios dos advogados no caso após dois anos de notícias sobre assédio sexual.

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Weinstein em Nova Iorque em 2018 quando foi ouvido para conhecer as suas acusações Reuters

O antigo produtor de Hollywood Harvey Weinstein começa esta segunda-feira a ser julgado por violação mas antes disso os advogados têm de estar de olho nos jurados que possam querer usar o caso como uma forma de fazer um statement sobre abuso sexual na esteira do movimento #MeToo.

Weinstein, de 67 anos, foi em tempos um dos mais poderosos produtores e distribuidores de Hollywood e declarou-se inocente de agredir sexualmente duas mulheres em Nova Iorque, uma em 2006 e outra em 2013. No total, mais de 80 mulheres acusaram Weinstein de má conduta sexual ao longo de décadas. Essas acusações ajudaram a alimentar o movimento #MeToo, graças ao qual centenas de mulheres acusaram publicamente de assédio ou agressão sexual homens poderosos no mundo dos negócios, política, media e entretenimento. Weinstein também negou ter tido qualquer contacto não consensual com as mulheres que o acusaram nos mediaEste julgamento diz respeito a acusações feitas por outras duas mulheres.

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As actrizes Lea Seydoux, Emma de Caunes, Gwyneth Paltrow, Asia Argento, Ashley Judd, a modelo Cara Delevingne, as actrizes Rosanna Arquette, Judith Godreche, Angelina Jolie e Rose McGowan acusaram Weinstein de assédio ou violência sexual em 2017 EPA

Segundo Danny Frost, porta-voz do procurador-geral de Manhattan Cyrus Vance, que lidera a acusação, a selecção do júri deve começar na terça-feira depois de esta segunda-feira ter lugar uma conferência entre as partes. Escolher jurados imparciais para decidir o destino de uma celebridade cujos abusos ajudaram a galvanizar o movimento #MeToo implica dificuldades muito específicas, dizem peritos legais à Reuters, porque potenciais jurados — escolhidos entre cidadãos americanos chamados por sorteio — podem tentar disfarçar os seus preconceitos para mais à frente levar as suas causas avante. 

“Podem pensar ‘Quero ser a pessoa que garante que ele vai preso. Quero ser a pessoa que faz justiça’”, disse Roy Futterman, consultor especializado em júris de Nova Iorque. Por outro lado, diz, há pessoas que acham que o #MeToo foi longe demais e arruinou as vidas de homens inocentes e podem tentar também esconder essas suas opiniões para conseguirem exonerar Weinstein.

Se Weinstein for condenado pelos principais crimes de que é acusado pode enfrentar uma pena de prisão perpétua.

Uma das suas advogadas, Donna Rotunno, disse que a equipa da defesa vai examinar o uso que os potenciais jurados fizeram das redes sociais e também as respostas que darão às perguntas que servem para seleccionar o júri. Acredita que isso desmascarará candidatos tendenciosos.

“Obviamente este caso tem muito mais notoriedade e atenção mediática, mas [a selecção de júris imparciais] é uma preocupação em qualquer caso”, disse Rotunno numa entrevista telefónica. “Assim que 12 pessoas estejam na bancada do júri e percebam a gravidade da situação, quererão ser justas.”

O gabinete do procurador-geral não quis comentar a questão da selecção do júri.

Em Outubro, foi negada uma moção de Weinstein para que o julgamento passasse de Manhattan para os subúrbios de Long Island ou para a capital do estado de Nova Iorque, Albany. Argumentava que o escrutínio intensivo dos media tornaria impossível encontrar jurados que lhe garantissem um julgamento justo.

“A questão não será se ouviram falar do caso Weinstein e das alegações contra ele, mas se essa publicidade tornou impossível que alguém seja um jurado justo e imparcial”, disse Deborah Tuerkheimer, professora de Direito na Universidade Northwestern que já foi procuradora em Manhattan.

Espera-se que a selecção de jurados demore duas semanas. Segundo os peritos, ambas as partes deverão questionar os potenciais jurados sobre o seu conhecimento e opinião sobre o caso, o seu próprio historial laboral e se já foram vítimas de má conduta sexual. É prática comum que as equipas de advogados nos casos muito mediáticos passem centenas de horas a construir bases de dados que compilem a actividade de potenciais jurados nas redes sociais como o Facebook ou o Twitter e que possam revelar parcialidade, disse Jeffrey Frederick, director dos Serviços de Investigação de Júris no serviço de advocacia especializado em pesquisa de fundo National Legal Research Group de Charlottesville, no estado da Virgínia.

“É quase negligência profissional não o fazer”, disse. “Encontramos pessoas nestes grupos de jurados em que dizemos ‘Uau, este é particularmente bom ou particularmente mau para mim’.”

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As actrizes Kathy Najimy e Marisa Tomei estiveram no tribunal em Dezembro de 2018 quando Weinstein tentou escusar-se do caso REUTERS

Eliminar jurados

Os advogados só podem recusar um número finito de potenciais jurados por mostrarem algum preconceito a favor ou contra Weinstein. Cada lado pode usar certas fórmulas legais para eliminar até três potenciais jurados que acreditem que lhes sejam desfavoráveis sem apresentar uma razão formal.

O movimento #MeToo levou mais pessoas que sofreram assédio sexual no local de trabalho ou agressões sexuais a falar publicamente, o que pode complicar o processo de avaliação, disse Deborah Tuerkheimer.

De acordo com uma sondagem de 2018 do instituto Pew Research, cerca de 60% das mulheres auscultadas disseram ter sido sujeitas a propostas sexuais indesejadas ou a assédio sexual em alguma altura da sua vida. Mais de metade dessas mulheres relataram situações de assédio sexual no local de trabalho.

Algumas dessas pessoas que tenham experimentado situações do género podem ser parciais, mas não todas, acrescentou a professora de Direito. Segundo os peritos, a acusação pode procurar eliminar jurados que digam ter sido falsamente acusados de assédio por medo que possam simpatizar com Weinstein, ao mesmo tempo que a defesa pode eliminar pessoas que pareçam ser activistas ou favoráveis a causas progressistas.

Paul Callan, antigo procurador, disse que os advogados também poderão querer evitar que potenciais jurados tentem lucrar com a situação. “Se forem escritos livros após o julgamento, isso pode dar origem ao anulamento do próprio julgamento”, disse Callan.

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