O novo normal: o Bloco não vota a favor do OE

Por muito que o Governo e o Presidente da República queiram manter a “geringonça” sem posições conjuntas, a política que não se faz pela negociação acaba por se fazer no combate.

Aconteceu o previsível: os dois parceiros outrora tão próximos nos grandes desígnios para o país não se entendem sobre a proposta de Orçamento do Estado de 2020. O primeiro-ministro, António Costa, diz que a proposta em cima da mesa é de “continuidade” e não vê “nenhuma razão” para que “não haja uma votação favorável” por parte do Bloco e do PCP.

Mas onde António Costa vê continuidade, Catarina Martins vê retrocesso. A proposta do Governo, diz a líder do Bloco, “interrompe o caminho de recuperação dos últimos quatro anos”. E, pela primeira vez nos últimos cinco anos, não votará ao lado do PS.

O que justifica esta tão contrastante apreciação das medidas do Orçamento não é tanto a substância da política. Este OE pode não ser tão generoso para a função pública como os que devolveram salários e carreiras depois de 2016. Mas, na sua essência, não é tão diferente assim. O que mudou foi a relação.

Mesmo que na discussão na especialidade o Bloco consiga impor uma ou duas alíneas na proposta, deixará de poder reivindicar a autoria do bolo. Estará condenado a ser, no máximo, autor de um dos seus adornos. Passou a ser um sujeito passivo. Resta-lhe o óbvio: agir como tal.

Por muito que o Governo e o Presidente da República queiram manter a “geringonça” sem posições conjuntas, a política que não se faz pela negociação acaba por se fazer no combate. Sem poder negociar ou dizer que negociou, como tantas vezes aconteceu na anterior legislatura, ao Bloco resta o combate.

Mesmo que tenha visto a sua reivindicação de um reforço de 800 milhões de euros para o SNS satisfeita, mesmo que se possa associar a uma provável redução do IVA na electricidade (embora só para alguns escalões de consumo), ainda que mereça louros pelo aumento de pensões, o Governo remeteu o Bloco à condição de figurante. Ora, um figurante não pode fazer o papel que, quer o Governo, quer Marcelo Rebelo de Sousa lhe pediram.

É por isso compreensível que o partido não vote favoravelmente o OE e o mesmo é de esperar do PCP. Será isto o fim do mundo? Nem pensar. António Costa estaria certamente à espera deste desfecho. E terá de recorrer a outros planos para seguir em frente. Estaremos então no novo normal.

O tempo do “agarra-me senão voto contra” da anterior legislatura mudou de mote. Agora é “como não me agarras, jamais votarei a favor”. Luta pelo poder, afinal.

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