Justin Mott, o guardião dos que salvam animais em perigo

Não renega as fotografias de casamentos, que lhe permitem ganhar a vida, mas precisava de um projecto que desse outro sentido ao seu trabalho. Encontrou-o na denúncia da crueldade contra os animais.

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"Quero que as pessoas celebrem a ternura, a bravura e a dedicação dos cuidadores e os guardiões dos animais" Anna Costa

Num dos primeiros trabalhos no Vietname, Justin Mott teve que fotografar um matadouro de porcos. Os grunhidos de dor e de aflição dos animais ainda fazem parte das suas memórias. “Lembro-me de sentir ódio pela humanidade”, diz o fotógrafo, que durante alguns anos decidiu esconder-se “cobardemente” de qualquer tipo de crueldade animal. Hoje, peito aberto, apresenta pessoas que dedicam a vida a salvar animais que precisam de ajuda.

Kindred Guardians. Para Justin, há um antes e um depois deste projecto. “É tão raro encontrar um fotógrafo que tenha apenas um grande projecto de vida. Eu ando à procura há dez anos. Nunca parei de procurar. E encontrei-o. Sinto-me muito feliz por isso”, exclama à Fugas o fotógrafo norte-americano numa pausa da maratona que é o National Geographic Exodus Aveiro Fest ("um fim-de-semana para falar do planeta e daquilo que lhe está a acontecer”, resume).

Justin começou cedo na fotografia, ainda em São Francisco, onde depressa percebeu que o casamento – ou a fotografia de casamentos – seria o golpe do baú que lhe permitira pagar as contas e continuar a fazer fotografia documental. Quando apresentou o portefólio mais “fotojornalístico” ao The New York Times, a editora pediu-lhe uma selecção de fotos de casamento. “Fiquei a pensar se seria uma pergunta com rasteira. Ela adorou. Disse-me ‘se consegues fazer este tipo de trabalho sob pressão, consegues fotografar qualquer trabalho que eu te marque’, recorda Justin, que aprendeu a “fotografar tudo”. “Tudo é uma história. Um casamento é uma história. É a história suprema. Num dia, fazes tudo: retratos, street, detalhes, vestidos, anéis e sapatos. E tudo tem que sair bem. Para muitas pessoas, é o dia mais importante da vida. É a maior história das suas vidas.”

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Um dos tratadores dos rinocerontes-brancos Justin Mott

Ainda hoje responde “casamentos” quando alguém numa plateia de 700 pessoas lhe pergunta como ganha a vida. Mas são outras as histórias que o movem e que o fotojornalista quer denunciar – como o retrato de crianças vietnamitas vítimas do Agente Laranja (Justin percebeu o verdadeiro poder da fotografia quando folheou um livro de Philip Jones Griffiths sobre o mesmo tema) e a consequente história de Nu, uma criança cega, surda-muda e autista, terceira geração de vítimas da mesma mistura de herbicidas usada pelos Estados Unidos na guerra do Vietname. “Posso fazer a diferença enquanto fotógrafo. Posso ter impacto”, diz Justin, que se apaixonou pelo Vietname (e por Quin Anh, com quem casou), onde vive há cerca de dez anos.

Quando completou 40 anos, há pouco mais de um ano, “sabia que algo estava a faltar” na sua vida. “Sabia que tinha que voltar a fazer histórias que eram importantes para mim. Lentamente começava a abrir-me emocionalmente à crueldade animal. E queria fazer a minha parte. Pensei em qual seria o meu legado e que não queria ficar conhecido pelas fotos de casamentos”, justifica o fotógrafo que vive em Hanói ("onde ainda se come cão") e que já tinha ouvido falar dos dois últimos rinocerontes-brancos-do-norte, no Quénia. “Pesquisei um pouco, garanti o acesso à reserva e comprei os bilhetes de avião.”

Justin Mott
Justin Mott
Justin Mott
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Justin Mott

Sudan morreu de causas naturais em 2018, no centro de conservação de animais de Ol Pejeta Conservancy. Era o último macho entre os rinocerontes-brancos-do-norte. Não muito longe do seu túmulo vivem Fatu e Najin (mãe e filha), os últimos conhecidos rinocerontes-brancos-do-norte do mundo – chacinados por causa dos seus cornos, que no mercado negro valem mais do que ouro ("Não falhou por questões evolutivas mas apenas porque não é à prova de bala”, como resumiu Jan Stejskal, director dos projectos internacionais no jardim zoológico de Dvur Králové, na República Checa).

Do contacto de Justin com os cuidadores e com os polícias da reserva nasceu o projecto Kindred Guardians. “Quero que as pessoas celebrem a ternura, a bravura e a dedicação dos cuidadores e os guardiões dos animais”, descreve Justin. “Gostava que as minhas imagens humanizassem os animais de forma a que todos nos relacionemos com a sua história. Quero que as fotografias encorajem as pessoas a agir, a falar e a mudar as suas acções em relação aos animais.”.

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A história dos rinocerontes é a história do planeta, é a história da ganância. Os rinocerontes estão a ser mortos por causa do comércio de chifres e da ganância das pessoas. O plástico vai parar aos oceanos porque as pessoas consomem cada vez mais e são cada vez mais gananciosas. Tudo se relaciona e tudo está interligado”, alerta o fotógrafo, “optimista por natureza”. “O cenário não está genial, mas talvez as pessoas acordem um pouco”.

À boleia dos dois rinocerontes surgiram outros capítulos de Kindred Guardians que contam a história da Soi Dog Foundation, um santuário sem fins lucrativos (fundado pelos britânicos John e Gill Dalley) para cães de rua na movimentada e turística cidade de Phuket, na Tailândia, do centro de resgate de pangolins no Vietname ("é o mamífero mais traficado no mundo e provavelmente nunca ouviste falar dele"), de uma ex-guarda florestal da Malásia que se tornou mãe de aluguer de gibões orfãos e de todos os que se dedicam a tomar conta de preguiças na América do Sul. “Estou a explorar. E estou a acordar. E estou à procura de histórias. Nunca fui tão feliz a fotografar”, confessa Justin.

O fotógrafo começou a seguir os conselhos que dá nas suas próprias palestras. Que as fotografias e as histórias publicadas têm impacto. Que cada pessoa deve fazer o que está ao seu alcance para proteger os animais. “Pena que tenha demorado dez anos a chegar a esta conclusão. Não demorem tanto tempo como eu demorei.”

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Justin durante o National Geographic Exodus Aveiro Fest Anna Costa
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