Paulo transforma latas velhas em guitarras — e cumpre a tradição mirandesa

Músico e artesão, Paulo Meirinhos utiliza latas antigas para construir guitarras — ou “guitarros”. De som “único e característico”, o instrumento “é uma forma de reutilizar materiais que marcaram o seu tempo” e que, desta forma, não acabam no lixo.

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LUSA/FRANCISCO PINTO

Um instrumentista de Miranda do Douro aproveita antigas embalagens em lata, bem conservadas, para fazer guitarras eléctricas e acústicas com uma sonoridade “única”, que depois utiliza nos concertos do grupo de música folk Galandum Galundaina. O projecto é de Paulo Meirinhos e foi inspirado em Francisco dos Reis Domingues, conhecido como “Tiu Lérias” de Paradela — Miranda do Douro, que construiu várias guitarras de lata e as tocou com grande maestria. Francisco dos Reis Domingues foi condecorado em 1972 por Américo Tomás, o então Presidente da República, e faleceu em 1993. 

“A ideia de construir o ‘guitarro' vem da mestria do senhor Francisco dos Reis Domingos, que há cerca de 70 anos construiu guitarras a partir de antigas latas do café e outras que encontrava, às quais juntava braços feitos de pau ou aproveitava os de velhas guitarras. Daí ter começado a procurar estes materiais para introduzir nas músicas do grupo Galandum Galundaina uma sonoridade mais harmónica, que vem deste género de instrumento e que fui estudando”, explicou à Lusa Paulo Meirinhos.

O “guitarro”, como assim é designado o instrumento musical, é composto por uma lata estilo vintage, que no passado terá servido para transportar lubrificantes ou produtos alimentares. A esta lata é acrescentado um braço com escala musical, feito numa fábrica em Braga, e diversos componentes eléctricos e electrónicos, e que em conjunto emanam um som “único e característico”: “Este é um instrumento tido como tradicional nas Terras de Miranda, já que acompanhava cantares e outras modas oriundas deste rincão transmontano”, frisou o músico.

O legado deixado por Francisco dos Reis Domingues consta das recolhas do etnomusicólogo francês Michel Giacometti e de filmes dedicados à cultura do Nordeste Transmontano. O grupo Galandum Galundaina já fez concertos em que utilizou o “guitarro” e os músicos garantiram que “conseguiram recursos diferentes paras as sonoridades pretendidas”. “O acompanhamento musical deste instrumento é muito harmónico. No caso dos Galandum, temos em atenção um som mais melódico e, por isso, estamos a tentar fazer um equilibro”, observou à Lusa, Paulo Meirinhos.

O característico som da lata marca a diferença principalmente quando é amplificado — especialmente nos sons mais agudos, que “o tornam agradável ao ouvido e harmónico no acompanhamento de outros instrumentos como a sanfona, as percussões ou até mesmo uma gaita-de-foles”. “Com este instrumento conseguimos uma vibração ondulante, que é umas das características deste tipo de latas. Este som da lata é estranho que depois se entranha, já que não tem o timbre dos instrumentos feitos em madeira”, concretizou o instrumentista.

Paulo Meirinhos, que também se dedica ao estudo de outro tipo de instrumentos, espera agora que o “guitarro” tenha um presente e um futuro e que seja utilizado por outros músicos. “No que respeita aos Galandum Galundaina, tentamos recuperar músicas e sonoridades de outros tempos e do cancioneiro tradicional mirandês. A recuperação do “guitarro” é outro dos desafios e esperamos que outros grupos musicais sigam o mesmo caminho e dêem a este instrumento uma nova vida”, vincou.

Para o músico e artesão, o facto de recuperar estas “velhas latas” é também mostrar um pouco do passado comercial e industrial de Portugal: “Esta é também uma forma de reciclar e reutilizar antigos materiais que marcaram o seu tempo e que, desta forma, não acabaram no lixo, já que são objectos bonitos”, observou.

Além da construção deste tipo de instrumento de cordas, o musico também constrói réplicas medievais como a rabeca e o rabel. Paulo Meirinhos também excuta os tradicionais pandeiros mirandeses, que têm várias formas e são introduzidos nas músicas de vários cancioneiros regionais, um pouco por toda a Península Ibérica, dadas as semelhanças sonoras.

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