Ordenar o caos com listas

A forma como tentamos fixar os acontecimentos do ano através de listas é a forma humana, e por isso sempre imperfeita, de lidar com o infinito.

O ano está mesmo a terminar, o mesmo acontecendo com a década apesar de isso ser menos consensual, e um pouco por todo o lado fazem-se os habituais balanços e listagens sobre o que de mais relevante terá acontecido na política, na sociedade, na economia ou na cultura. Valoriza-se isto em detrimento daquilo, escolhe-se esta personalidade apesar daquela outra também ter sido um papel significativo, enfim, tenta-se ordenar a realidade a partir de um caos de selecções possíveis.

As listas servem para tudo. Para ter presente as compras que se irão efectuar para a semana. Para se escolherem os acontecimentos e figuras que se destacaram durante o ano. Ou para hierarquizar escolhas de melhores discos, filmes, livros ou exposições. Por norma, estas últimas, tendem a ser desvalorizadas por quase todos, inclusive por quem tem a responsabilidade de as executar. O problema é que esse menosprezo, tantas vezes artificial, é apenas revelador num primeiro momento.

Tantas vezes, depois de propagadas essas listas, são alvo de agastamentos, discussões infindáveis, denúncias de lacunas e também sinais de pertença. Apetece perguntar: se são assim tão indiferentes porque é que existe tanta gente a dissecá-las com minúcia? O que nos conduz a outro paradoxo. Nos últimos anos os mediadores (jornalistas, críticos ou curadores) passam o tempo a ouvir que a sua acção se tornou irrelevante no contexto dos novos ecossistemas comunicacionais. Já nestas alturas, quando não se concorda com a suas opções, passam a ser eles que dominam ou condicionam por inteiro a oferta artístico-cultural ou as formas como são traduzidas as realidades socioeconómicas do mundo.

Uma lista nunca é apenas uma lista. Diz muito sobre quem as faz e para quem as lê funcionam como espelho reflector. O italiano Umberto Eco, que escreveu A Vertigem das Listas, dizia que o mundo se dividia entre os que gostavam de as elaborar e quem tinha repulsa por esse exercício. Talvez nem tanto, mas faz algum sentido. Quem tenha um entendimento totalitário da realidade e espera que traduzam uma verdade universal sobre seja o que for, sentir-se-á sempre desconfortável. Terá sempre dificuldade em produzir uma lista, ou rever-se nas alheias, porque muito naturalmente todas lhe parecerão inacabadas. Faltar-lhe-á sempre algo.

Quem é capaz de aceitar que a existência é imperfeita, sendo feita de momentos tantas vezes contraditórios, é capaz de lidar com essa inevitável incompletude, sabendo de antemão que compor e decifrar o caos à volta é sempre um gesto utópico. O que há a fazer é assumir isso, sendo ao mesmo tempo transparente e responsável sobre o sentido das escolhas que se efectuam. Tenta-se tornar compreensível o infinito, mesmo sabendo que nunca conseguiremos aceder a uma descrição completa e inteiramente rigorosa do que vemos quando olhamos para o céu.

Quando muito, de vez em quando vemos uma estrela cadente, e isso serve de indicador. Ou, como diz Eco, gostamos de listas que tentam representar a imensidão, porque nos confrontamos com um limite: a morte. Talvez seja isso que nos leva, no último dia de cada ano, a pedir doze desejos para o ano seguinte ao ritmo da ingestão de passas. Há rituais em que temos necessidade de acreditar. Somos criaturas limitadas pelo tempo. Por um lado, o receio do fim vem da falta de controlo sobre a passagem e listagem do tempo. Por outro, o que nos atrai no conceito de fim é ele poder representar uma ideia de recomeço. Bom ano novo.

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