Anos 20: uma década (mesmo) decisiva

O futuro da democracia tem uma data crucial já em Novembro próximo nos Estados Unidos. Trump or not Trump that’s the question.

Não é preciso ser profeta para prever que os próximos dez anos serão porventura uma das décadas mais decisivas para o futuro do mundo. Para além das especulações sobre o balanço da década que agora finda, a diversidade das crises que nela efectivamente se agravaram – da crise climática à crise das democracias, sem esquecer as crises de regimes e modelos de sociedade que motivaram múltiplas rebeliões, de Hong Kong ao Norte de África, passando pela América Latina – conduz-nos a uma conclusão: quando o tempo tende a acelerar (e a escassear), só uma grande reviravolta nesse panorama poderá impedir que o mundo caminhe para o abismo.

Exagero? Proponho ao leitor que faça uma viagem rápida à volta do globo para detectar os sinais dessa ameaça que pesa sobre as nossas cabeças. Que vemos? Uma intranquilidade, uma insatisfação e uma incerteza cada vez maiores em relação à vida vivida e às perspectivas do futuro; uma tendência para a desintegração comunitária, de que a tragédia sem fim dos refugiados é porventura a expressão limite; a intolerância religiosa e o afrontamento entre crenças, por vezes acicatadas e legitimadas pelo poder político (como acontece, por exemplo, na campanha de purificação hindu levada a cabo na  “maior democracia do mundo”, a Índia); o terrorismo de várias proveniências, em que a componente islamista é acompanhada por facções derivadas do populismo em expansão um pouco por toda a parte, designadamente na Europa (com o recente ressurgimento violento do neo-nazismo na Alemanha); finalmente – um finalmente muito incompleto e provisório –, as desigualdades socioeconómicas que continuam a alastrar nas sociedades mais ricas, aproximando-se de um perigoso ponto de ruptura (veja-se, por exemplo, como a questão é assumida por alguns capitalistas mais lúcidos que já questionam o actual modelo dominante do capitalismo ou como ela ganhou expressão política nos programas de alguns candidatos democratas às próximas eleições presidenciais americanas).

Foquemo-nos agora no que nos é mais próximo e familiar: Portugal e a Europa, sendo que o destino do primeiro não pode já separar-se da segunda. Apesar dos progressos registados ao longo das últimas décadas, continuamos sem sair da zona mais frágil e exposta da União Europeia (UE), agora com as “contas certas” mas sem base de sustentação nos fracos índices de desenvolvimento e nas desigualdades de riqueza (leia-se com proveito o artigo de Susana Peralta no PÚBLICO de anteontem). Como iremos resistir à eventualidade de uma nova crise económica internacional de que tanto se fala nos últimos tempos?

Mas se o destino de Portugal está intrinsecamente ligado à Europa, é precisamente essa Europa que enfrenta a sua mais decisiva “crise existencial” (não há como evitar a expressão já mil vezes repetida) desde a criação da CEE e, depois, da UE. Querendo apostar no “Green Deal” como sua matriz de desenvolvimento futuro e inspiração para todo o planeta face ao aquecimento global, a Europa de hoje tem forçosamente de superar a sua dramática fragmentação que estimulou e exacerba os populismos e as correntes “iliberais”. Ora, essa é uma tremenda luta contra o tempo – e uma década parece tempo demais –, tendo ainda em conta que se trata de uma Europa fragilizada pelo “Brexit”, cujo desenlace continua a mostrar-se angustiante quer para quem “sai” – independentemente dos sonhos líricos de Boris Johnson – quer para quem “fica”.

Para além de tudo, o que será porventura mais decisivo na próxima década – porque condiciona política e civilizacionalmente tudo o mais – será o futuro da democracia. E esse futuro tem uma data crucial já em Novembro próximo nos Estados Unidos. Trump or not Trump that’s the question.

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