O pós-colonial monetário

Guiné-Bissau e os outros Estados-membros da UEMOA vão substituir, em 2020, o velho Franco CFA por uma nova moeda, o Eco.

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O Franco CFA e a dependência em relação à França havia-se tornado um obstáculo a políticas monetárias adequadas ao desenvolvimento Luc Gnago/REUTERS

O Franco CFA do oeste africano deve ser substituído durante o próximo ano por uma nova moeda, o Eco. Não há ainda data exata e, para o CFA da África Central nem data aproximada, por enquanto. Assim, oito países serão abrangidos pela primeira alteração, membros da União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA), cuja existência pode manter-se, com este ou outro nome, baseada em mais autonomia. Entre os estados membros está a Guiné-Bissau, único a não ter o francês como língua oficial, mas muito inserido nesta área, devido à vizinhança e à adesão ao CFA por razões da relativa convertibilidade e melhor gestão de política monetária pela UEMOA.

Agora vai seguir os outros no Eco e, com os outros, participar na elaboração do calendário preciso. Os outros inclui a França. Com efeito, acaba a obrigatoriedade de depósito no Banco de França de pelo menos 50% das reservas desses países (o Benim até já as retirou) ao mesmo tempo que acabam os representantes franceses no Banco Central dos Estados da África do Oeste. Porém, o Eco manterá paridade fixa com o Euro e disso será garante o Banco de França.

As condições dessas garantias estão provavelmente a constituir um dos eixos centrais das negociações e, ao mesmo tempo, representam motivo de crítica em meios económicos que propunham um corte menos vinculativo. Nestes meios, sublinha-se que o Eco não corresponde às suas propostas, cujo alcance inseria toda a sub-região, anglófonos incluídos, sob a égide da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO/ECOWAS).

Aliás, a CEDEAO lançou e mantêm esse projeto amplo. Responsáveis de países da UEMOA disseram nos últimos dias estarem abertos a entendimento na matéria, implicando uma difícil articulação com a Nigéria.

Meios políticos e financeiros da sub-região acreditam que o anúncio terminal do franco CFA foi algo como corrida contrarrelógio, precisamente para retirar à CEDEAO – e através dela talvez à Nigéria – a liderança do processo. Acham pleno de significado que o anúncio tenha sido feito repentinamente na Costa do Marfim, pelos presidentes Ouattara e Macron. Por essa razão, entidades patronais receiam que os preparativos não estejam sólidos, apontando para meses de ansiedade monetária.

O Franco CFA foi criado em vésperas do processo de descolonização de 1960, com base no franco colonial, pretendendo evitar uma profusão de moedas sem grande valor efetivo, equivalente à “balcanização” marcante daquele processo, ou seja, a divisão das duas ex-grandes colónias franceses – África Ocidental e África Equatorial – em mais de uma dúzia de países, alguns deles com recursos e mercados internos muito reduzidos.

No entanto, a dependência em relação à França prolongou-se e apareceu como obstáculo a políticas monetárias adequadas ao desenvolvimento. O anúncio conjunto Ouattara-Macron corresponde a uma situação insustentável, há longos anos alvo de campanha por parte de vasto leque, desde liberais até à esquerda, dando lugar mesmo à transformação jocosa do significado das iniciais CFA, de Comunidade Financeira Africana para Comptoirs (Feitorias) Franceses de África.

Os primeiros desafios situam-se agora em dois planos: como garantir a convertibilidade do Eco sem limitar o desenvolvimento dos países onde circulará e em que medida poderá inserir-se nas resoluções da CEDEAO, geograficamente mais abrangentes. No primeiro caso, a dúvida paira sobre o papel do Banco de França. No segundo, dois países chamam a atenção: a Nigéria devido à sua dimensão, superior à soma dos oito da UEMOA e Cabo Verde, cuja moeda já tem paridade fixa com o Euro sob acordo com o Tesouro português.

 O ano de 2020 irá, em princípio, esclarecer estes pontos e esclarecer também quando o processo chegará à África Central, onde não existe a mesma urgência porque a respetiva comunidade económica (CEEAC) não tem composição semelhante à CEDEAO.

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