A Rússia testou uma alternativa à Internet. E correu bem

O acesso livre à Internet global pode ter os dias contados na Rússia. O Governo anunciou que executou com sucesso um teste para isolar o país da rede mundial e, diz o ministério das Comunicações, os utilizadores não deram por isso.

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O Governo de Vladimir Putin justifica o teste com a necessidade de garantir a segurança da infra-estrutura do país em caso de ciberataque EPA/ALEXEI DRUZHININ / SPUTNIK / KREMLIN / POOL

O anúncio foi feito no início deste ano e o teste, levado a cabo na passada segunda-feira, terá corrido sem que a esmagadora maioria dos utilizadores tivesse dado conta, de acordo com o Ministério das Comunicações. A Rússia desligou o acesso externo do país à Internet, activando a chamada RuNet, uma intranet gigantesca que funciona redireccionando todo o tráfego apenas para servidores localizados dentro do país.

O objectivo, justifica o Governo de Vladimir Putin, é garantir a segurança da infra-estrutura do país em caso de ciberataque e passa por restringir os pontos de acesso da RuNet à rede global.

Os detalhes da operação não são totalmente conhecidos, mas a lei aprovada no início deste mês obriga os fornecedores de Internet russos a adquirir os recursos técnicos que permitam desligar-se do tráfego global, passando a encaminhar o tráfego dos utilizadores na Rússia exclusivamente através dos serviços da Roskomnadzor — o regulador e serviço estatal de telecomunicações.

Alexei Sokolov, ministro do Desenvolvimento Digital, Comunicações e Media, disse aos jornalistas que “os resultados [do teste] mostraram que quer as autoridades, quer os fornecedores de serviços estão prontos para reagir a ameaças e garantir o funcionamento de todo o sistema de telecomunicações”.

O ministro esclareceu que participaram neste ensaio quatro operadoras de telecomunicações e que foram executados 18 cenários de ataque distintos. Além da segurança da Internet propriamente dita, Sokolov explicou que foram feitos testes para garantir não apenas a fiabilidade das comunicações móveis, mas também a possibilidade de as interceptar.

Já especialistas e activistas receiam que estes testes antecipem uma limitação permanente aos acessos à Internet, tornando-se mais uma forma de controlar a população e de apertar a vigilância aos opositores do Governo.

Esta experiência não é inédita. A restrição ou interdição do acesso à Internet é um recurso usado há bastante tempo e com frequência por regimes totalitários.

O exemplo mais conhecido é a Great Firewall chinesa (numa alusão à Grande Muralha), posta em funcionamento há duas décadas para limitar o acesso no país a conteúdos sensíveis ao regime (como as referências ao massacre de Tiananmen). Google, Facebook, WhatsApp e Twitter estão bloqueados na China — existem no país alternativas a estes serviços, como é o caso do motor de pesquisa Baidu e do serviço de mensagens instantâneas WeChat.

No Irão, o regime cortou o acesso à Internet no mês de Novembro para tentar anular a progressão das manifestações geradas pela crise económica que se vive no país.

Este país do Médio Oriente possui um robusto serviço de ciberespionagem, que permite um controlo apertado às entradas e saídas de informação no país. O sistema foi implementado após o ataque às instalações nucleares iranianas detectado em 2010, um malware chamado Stuxnet que terá sido criado pelos Estados Unidos e por Israel.

Também a Coreia do Norte, Birmânia, Etiópia, Iraque e República Democrática do Congo utilizam sistemas de restrição e controlo de acesso da população à Internet, uma forma poderosa de coação e manipulação dos fluxos de comunicação e de informação.

O teste agora executado pela Rússia vem juntar-se a outras formas de controlo que o Governo de Putin quer introduzir no país. Em Novembro foi apresentada uma lei que obriga os fabricantes de telemóveis, tablets, computadores e televisões inteligentes a terem pré-instaladas aplicações russas. A medida entra em vigor em Julho de 2020.

No início deste mês foi ainda aprovada uma medida que limita o exercício da liberdade de expressão no país: jornalistas e bloggers podem passar a ser considerados “agentes estrangeiros”.

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